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Microtransações x Pay to Win: entenda a diferença

Uma das principais mudanças geradas pelo avanço da tecnologia dos videogames, e a consequente conectividade dos consoles à internet, foi a chegada das microtransações em jogos. O modelo, que já era comum em jogos de PC, se popularizou ainda mais quando ficou disponível nos consoles de mesa, ainda na geração PlayStation 3 e Xbox 360. De 2012 pra cá, com o boom dos smartphones, essa bolha estourou, e é raro ver um jogo que não utiliza o modelo atualmente.

Mas o que são essas microtransações e como elas funcionam? Porque muitas vezes elas são confundidas com o sistema Pay to Win? Há diferença? Nesse artigo, vou abordar os principais pontos desta discussão, bem como o funcionamento desse modelo, temido por muitos jogadores, mas amado por desenvolvedoras e publishers.

Microtransações x Pay to Win
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O que são as microtransações?

Basicamente, microtransações são compras efetuadas dentro de um jogo digital. Elas são variadas, e podem envolver compra de moedas, expansões de história, itens cosméticos e até mesmo itens que dão vantagens aos jogadores. É um modelo utilizado pelas principais publishers do mercado e presente em jogos de sucesso, e de gêneros variados, como jogos de esportes, luta, tiro e cartas colecionáveis.

Com o crescimento dos jogos grátis para jogar, em especial para smartphones, este método de monetização se tornou um dos favoritos dos desenvolvedores. É bem comum, e eu digo isso com a propriedade de quem já gastou alguns trocados que não devia em jogos deste tipo, você se ver preso no avanço de um jogo e, por conta disso, gastar algum dinheiro em “cristais” para acelerar o tempo. Se sentiu representado?

Pois bem. Este é um modelo de microtransação. Em jogos single-player, de fato, eles não fazem “mal” ao seu desempenho no jogo. Afinal, se você é um feliz proprietário de uma fazenda em Farmville 2, somente seu bolso vai regular os dólares que você gastar para deixá-la com a sua cara o mais rápido possível. Ou se você quer comprar uma skin do momento em Fall Guys. Gastar seu suado dinheiro com moedas in-game, nestes casos, só pode trazer um bem psicológico ao jogador, que não quer esperar muito tempo para ver as coisas acontecerem.

Fall Guys
As skins de Fall Guys são puramente estéticas e não afetam o gameplay (Imagem: Divulgação)

E o que são os Pay To Win?

A questão é que este modelo de microtransação se infiltrou na indústria e atraiu o que os jogadores chamam de Pay To Win (Pague para vencer, em tradução literal). Neste modelo, aqueles dispostos a gastar dinheiro, podem cortar um longo caminho e ganhar uma vantagem competitiva contra seus adversários. Um exemplo são as microtransações envolvendo o Ultimate Team, dos jogos da Electronic Arts. Somente em 2020, foram R$ 8,4 bilhões de receita envolvendo FIFA 21, Madden NFL 21 e NHL 21. Valores absurdos.

E porque isso é um Pay To Win? Por mais que comprar coins não garante ao jogador sua vitória em partidas online contra adversários do mundo todo, ter a possibilidade de obter cartas raras e melhores ao comprar pacotes com dinheiro real, e não conquistado em game, muda este olhar. E em jogos online, onde ninguém quer ficar pra trás, torna-se quase uma obrigação de quem vai jogar estes jogos.

Mas, é claro, é possível jogar jogos com o formato Pay To Win e vencer, mesmo sem gastar um centavo. Isso requer tempo, habilidade e, principalmente, paciência. Coisa que anda em falta nos jogos online. Boa parte desses jogos recompensam os jogadores por completar partidas, vencê-las, lançam eventos temporários que estimulam a conquista de tokens ao cumpri-los. O ponto é que tudo isso demandam horas de investimento em determinado jogo. No fim, cabe ao jogador decidir como gastar seu tempo, e seu dinheiro.

FIFA 23
O FUT é uma das principais fontes de receitas da EA (Imagem: Divulgação)

Modelo é predatório?

No Brasil, corre na justiça uma ação com apoio do Ministério Público para proibir a comercialização das loot boxes no país. As loot boxes são um modelo de microtransação, baseada na sorte, em que o jogador adquire uma caixa virtual com alguns itens aleatórios para usar no jogo. Em época de álbum de Copa do Mundo, é como um pacote de figurinhas, só que virtual. A chance de ter o item raro é pequena, mas você pode saber mais sobre elas aqui.

Recentemente, uma notícia viralizou. Diablo Immortal foi lançado para PC e celulares e, logo em sua primeira semana, um jogador gastou US$ 10 mil e não conquistou sequer um item lendário. Para piorar, foi descoberto que, jogando sem gastar um centavo, seria necessário dez anos para maximizar o status do seu personagem, se nada mudar nesse período. A alternativa é investir cerca de US$ 100 mil para conseguir fazer o mesmo. Mesmo assim, com toda legião de fãs e o peso da franquia, o jogo se tornou um sucesso comercial para a Blizzard, faturado US$ 100 milhões em apenas dois meses de lançamento. E considere que estamos falando de um game que é gratuito para baixar.

Ao fim dessa breve explicação, a conclusão que chegamos é que as microtransações vieram para ficar, e é difícil imaginar que órgãos regulatórios consigam competir contra a engenhosidade da máquina de ganhar dinheiro que este modelo se tornou. E, pensando na competitividade, uma alternativa que muitos jogos têm usado são os Passes, em que o jogador precisa cumprir alguns requisitos em um determinado tempo (totalmente dentro de uma normalidade), para obter o item/vantagem desejada. Ainda assim, é possível gastar dinheiro real para acelerar o processo, mas na imensa maioria desses casos, é meramente opcional.

Por isso, mesmo que tenha existido certa evolução nos últimos anos, e muitos jogos de sucesso, como PUBG e Fortnite, já utilizem o modelo de Passes para monetizar atualmente, abusar do tempo (e do bolso) do jogador, como outras empresas têm feito, vem trazendo ótimos resultados financeiros, ancorados principalmente na possibilidade de se “ganhar tempo” ao investir dinheiro. O modelo atual evoluiu, mas ainda há um longo caminho pela frente…

Lucas Soares

Jornalista e fã de videogames desde criança. Já teve Mega Drive, Game Boy Color, PS1, PS2, PS3, PS4, PSVR, PS Vita, Nintendo 3DS e agora tem "só" um PS5, um Nintendo Switch e um PC Gamer. Para ele, o melhor jogo da história é Chrono Trigger, mas Metal Gear Solid 3, Final Fantasy X, The Last of Us Part II e Red Dead Redemption 2 completam o Top-5.