One-Eyed Likho | Review
One-Eyed Likho é um jogo de terror em primeira pessoa com ênfase na exploração e na resolução de puzzles, ambientado em um cenário sombrio e enigmático inspirado no folclore eslavo. A trama se baseia na figura mitológica da Likho, criatura associada ao azar e aos destinos trágicos. Na mitologia eslava, o Likho simboliza a má sorte e a punição inevitável para aqueles que agem de maneira impulsiva ou desafiam o curso natural da vida, servindo como uma metáfora moral para as consequências de más escolhas.
O novo título é desenvolvido pela Mortheska, o mesmo estúdio responsável por Black Book — um jogo que admiro bastante e que também se apropria de elementos dos contos e lendas eslavos para construir sua narrativa. Com uma nova proposta que promete mergulhar os jogadores em uma atmosfera de tensão, segredos ocultos e uma criatura que encarna o infortúnio, resta saber: será que One-Eyed Likho consegue entregar uma experiência memorável? Confira agora em mais uma review antecipada do Pizza Fria!
Um ferreiro encontrado pela má sorte
One-Eyed Likho inicia sua narrativa com uma sequência enigmática, apresentando ao jogador breves vislumbres de uma floresta sombria, a silhueta da lua e a figura de um corvo — este último, uma presença simbólica e recorrente ao longo da jornada do protagonista, um ferreiro solitário. Após esse início misterioso, somos levados a um bar, onde o personagem principal conversa com um velho intrigado pelas lendas que envolvem a entidade Likho. Segundo ele, perseguir essa criatura pode trazer vantagens, já que ela é detentora de poderes sobrenaturais. Entre goles de cerveja e um clima cada vez mais tenso, o ferreiro acaba sendo persuadido a embarcar nessa jornada perigosa, ainda que seja evidente, desde o início, que algo maligno os observa silenciosamente.
Pouco depois, já acompanhando o velho em meio à floresta, os personagens chegam a uma cabana repleta de símbolos ritualísticos. Lá, encontram um livro misterioso. Ao abri-lo, a experiência de horror se intensifica e o ferreiro se vê envolvido em uma trama de mistérios, precisando descobrir mais sobre a entidade que invocaram — e, acima de tudo, lutar para escapar desse pesadelo.

Apesar de uma introdução cheia de mistérios ao redor do protagonista, a construção narrativa de One-Eyed Likho não se apoia fortemente no desenvolvimento dos personagens. Isso poderia funcionar dentro da proposta: o protagonista é apenas um homem comum que acaba se envolvendo em uma situação na qual se depara com o sobrenatural e as coisas saem do controle. Entretanto, o jogo acaba não desenvolvendo este aspecto humano do personagem e falha por não criar nenhum tipo de conexão entre o jogador e o personagem principal.
Portanto, essa escolha narrativa poderia ter sido melhor aproveitada, já que o game não consegue transmitir qualquer emoção genuína por parte do protagonista. Ele se comporta como uma figura apática, quase uma casca vazia que simplesmente seguimos pela história. Apesar da presença de algumas opções de diálogo durante a campanha, elas servem apenas para expandir o lore da entidade Likho e dos cenários ao redor — ou oferecer dicas para os puzzles necessários para a progressão.
Em contrapartida, a principal virtude da história está em sua ambientação e fidelidade à mitologia eslava. Neste aspecto, One-Eyed Likho brilha com competência: os cenários são carregados de simbolismos visuais, templos antigos, marcas de adoração ritualística e documentos espalhados que enriquecem o pano de fundo da narrativa. A atmosfera construída é densa, opressora, e traduz de forma eficiente a ideia de que Likho é mais que uma simples criatura, ela é uma personificação da má sorte. O título acerta ao transmitir essa sensação ao jogador, não necessariamente por meio de confrontos diretos, mas por uma constante presença silenciosa e inquietante, como se o infortúnio estivesse sempre um passo à frente.

Embora eu, pessoalmente, não seja grande entusiasta do uso de jump scares, devo admitir que eles são aplicados de maneira eficaz aqui. Eles não soam gratuitos; servem para reforçar o sentimento de vulnerabilidade, reforçando que estamos caminhando por lugares onde o mal deixou sua marca — seja por meio de sacrifícios, tragédias ou crimes humanos. Esse desconforto crescente é intensificado pelas aparições discretas de Likho, sempre observando à distância, como um presságio silencioso de que nosso destino está cada vez mais amaldiçoado. Esse caminho de azar culmina em um clímax coerente com a proposta temática da obra.
Resolvendo puzzles usando o fogo e a luz
A jogabilidade de One-Eyed Likho se apresenta de forma bastante simples. O jogador pode caminhar, correr, interagir com objetos e documentos, selecionar respostas em alguns diálogos pontuais, além de acender fósforos, um dos elementos mais importantes da mecânica, e lançá-los em diversas direções. O uso dos fósforos, inclusive, vai além da simples iluminação de áreas escuras: eles se tornam ferramentas indispensáveis para a resolução de puzzles, sendo empregados para queimar obstáculos do cenário ou revelar segredos escondidos.
Durante a campanha, há diversos momentos em que o jogador precisa, por exemplo, atear fogo em um amontoado de cadeiras bloqueando uma passagem ou iluminar pontos estratégicos para identificar mensagens ocultas, números escondidos ou pistas visuais fundamentais para a progressão. Esse uso criativo da luz como elemento de interação é uma escolha acertada, e ajuda a tornar o ambiente não apenas parte do cenário, mas também um participante ativo na construção dos enigmas.

Analisando mais profundamente a estrutura desses quebra-cabeças, é possível reconhecer tanto acertos quanto falhas. No aspecto positivo, destaco o esforço bem-sucedido em integrar os puzzles à narrativa e às temáticas centrais de One-Eyed Likho. Muitos desafios exigem atenção aos detalhes do ambiente ou a leitura cuidadosa de documentos, que frequentemente contêm pistas sobre os rituais, símbolos ou lendas relacionadas a lenda de Likho. Um bom exemplo disso ocorre logo no início do jogo, quando precisamos organizar quatro totens em uma ordem específica para destravar um portão.
A solução exige a interpretação de um mural mitológico que descreve fragmentos da cultura local, exigindo que o jogador relacione simbolismos e contextos narrativos. Essa abordagem mantém uma coerência temática louvável, fazendo com que os puzzles deixem de parecer apenas obstáculos mecânicos e passem a ser, de fato, partes integrantes da experiência imersiva.
Contudo, mesmo com essa proposta criativa e bem amarrada ao lore do jogo, os quebra-cabeças poderiam ser mais desafiadores. A grande maioria dos enigmas pode ser resolvida com relativa facilidade, muitas vezes apenas exigindo que o jogador percorra os poucos cenários disponíveis em busca dos objetos certos com os quais deve interagir. Há uma linearidade muito evidente em One-Eyed Likho, que, apesar de compreensível diante de sua proposta narrativa, limita o grau de exploração e, consequentemente, a complexidade dos quebra-cabeças. Os ambientes são pouco expansivos, e geralmente só é possível entrar em determinados locais quando há um propósito claro — seja coletar um item essencial ou encontrar um documento.

Não considero essa linearidade, por si só, um problema, especialmente em jogos que priorizam a atmosfera e a progressão narrativa como é o caso aqui. No entanto, ao introduzir elementos de exploração como parte da resolução dos puzzles, One-Eyed Likho acaba expondo um desequilíbrio em seu design. Fica evidente que havia espaço para torná-los mais desafiadores, seja ampliando a complexidade das pistas, seja exigindo maior capacidade de dedução por parte do jogador. Há um potencial subaproveitado nesse sentido, que, se melhor explorado, teria enriquecido ainda mais a experiência geral.
Gráficos e sons
Visualmente, One-Eyed Likho consegue se destacar, ainda que siga por um caminho estético mais minimalista. O jogo adota um estilo gráfico cartunesco, mas o grande diferencial está no uso de uma paleta inteiramente em preto e branco, que remete à estética de filmagens antigas. Essa escolha não apenas confere uma identidade visual única à obra, como também contribui para o tom sombrio e assombrado da experiência. A ausência de cores reforça a sensação de isolamento, desorientação e incerteza.

Outro recurso criativo que merece destaque é a manipulação das proporções de tela durante as cutscenes. Em determinados momentos, o jogo alterna para o formato 4:3, reduzindo drasticamente o campo de visão e criando um efeito visual de “estrangulamento” da perspectiva. Esse recurso funciona de forma excelente ao intensificar o sentimento de claustrofobia e apreensão, tornando certos trechos narrativos especialmente angustiantes.
No que diz respeito ao trabalho sonoro, One-Eyed Likho entrega um resultado funcional, ainda que sem grandes destaques. A ambientação sonora é competente e colabora para a imersão, com ruídos sutis que geram uma constante sensação de vigilância e tensão. No entanto, o silêncio predomina durante boa parte da jogabilidade, sendo frequentemente interrompido por jump scares e outros sons pontuais usados para provocar sustos — algo que funciona dentro da proposta, mas que poderia ter sido mais explorado para construir um clima de tensão mais constante e menos previsível.
Um elemento interessante é o uso exclusivo da dublagem em russo para os personagens. Essa escolha adiciona uma camada extra de autenticidade e imersão à experiência, por permacenar mais proximo dos raizes culturais da história sendo contada. Felizmente, One-Eyed Likho conta com legendas em português brasileiro (PT-BR), o que facilita a compreensão das poucas conversas presentes ao longo da trama.
Minha experiência foi no PC, equipado com um Ryzen 5600 e uma RTX 3060. Na resolução 1080p com as configurações no ultra, tive um desempenho acima dos 150 FPS na maior parte do tempo, sem travamentos e nem bugs.
Vale a pena comprar One-Eyed Likho?
One-Eyed Likho entrega uma jornada peculiar e visualmente original, conduzindo o jogador por uma experiência única, marcada por uma ambientação imersiva e por uma releitura instigante do folclore eslavo. A maneira como o jogo adapta essas lendas — respeitando suas raízes culturais e utilizando símbolos e atmosferas coerentes com os temas de má sorte e presságios — é, sem dúvida, um dos grandes méritos da obra. Soma-se a isso uma direção artística criativa, que sabe usar bem seus recursos visuais e sonoros para construir uma atmosfera de terror envolvente, ainda que discreta.
No entanto, quando se trata da jogabilidade, One-Eyed Likho deixa bastante a desejar. O sistema de puzzles, apesar de integrado de forma temática à narrativa, peca por sua simplicidade excessiva, pouca variedade de soluções e uma linearidade que limita a exploração e o senso de descoberta. O uso dos fósforos, que poderia ter sido um diferencial mecânico interessante, se repete de forma pouco inventiva e acaba perdendo impacto com o tempo. São pontos que, se mais bem desenvolvidos, teriam elevado significativamente a experiência como um todo.
Ainda assim, acredito que o jogo merece atenção — especialmente por parte daqueles que se interessam por mitologias pouco exploradas no mainstream dos videogames. One-Eyed Likho é uma obra recomendável para quem busca uma experiência narrativa focada, com forte identidade visual e temática, desde que se aceite de antemão que o desafio será mínimo e a estrutura extremamente linear.
One-Eyed Likho foi desenvolvido pela Mortheska e chega nesta segunda-feira, 28 de julho, para PC, via Steam.
*Review elaborada em uma PC equipado com uma Geforce RTX, com código fornecido pela Mortheska.
One-Eyed Likho
BRL 59,99Prós
- A história consegue se manter fiel a mitologia eslava de Likho, sendo este aspecto o mais forte da narrativa
- A ambientação é muito boa e consegue transmitir o sentimento de terror e apreensão
- Os puzzles conseguem se relacionar de maneiras surpreendentes com a temática do jogo
- Legendas em PT-BR
Contras
- Puzzles simples demais e que não aproveitam de maneira variada as mecânicas originais de luz e fogo
- Os personagens não são desenvolvidos e pouco se mostram interessantes de acompanhar na narrativa
- Cenários lineares demais, o que acaba prejudicando ainda mais os trechos de quebra-cabeças por se resumirem em apenas encaixarmos os itens nos lugares corretos


