Red Dead Redemption 2 (PC) | Review
Antes de começar a crítica, queria falar dos jogos como arte. Sim, isso mesmo. Uma arte que consegue compilar em um único conteúdo narrativas incríveis, trilhas sonoras profundas, fotografias impecáveis e visuais deslumbrantes. Que suscita as mais variadas emoções e, de certa forma, pode ensinar sobre algumas coisas. Por fim, tal arte serve como refúgio e, ao mesmo tempo, fonte de reflexão sobre a própria realidade. E não falo apenas do caso do belíssimo Red Dead Redemtpion 2, lançado para PlayStation 4, Xbox One, PC e Google Stadia, mas diversos jogos nos últimos tempos estão indo cada vez mais fundo nessas questões, inovando em jogabilidade e narrativa. E a Rockstar Games, desenvolvedora do título, já é conhecida nesse mundo, tendo roteiros bem críticos (e irônicos) como os da franquia Grand Theft Auto que, além de toda a violência, conta com diversas reflexões, narrativas, personagens e contextos complexos.
Essa análise, feita bem depois do lançamento do título para as primeiras plataformas, em outubro de 2018, busca compreender o game como um todo, perpassando por questões técnicas e até mesmo pelo contexto histórico abordado. Portanto, já adianto que o texto será mais longo que o convencional. Além disso, aproveito para deixar claro que pequenos spoilers estarão presentes aqui, mas sem maiores aprofundamentos ou detalhes, os utilizando apenas para contextualizar alguns pontos históricos do enredo.
Os Estados Unidos da virada do século XIX para o XX
Com a virada do século, muitas coisas ocorrem nos Estados Unidos da América. Um acelerado processo de industrialização, o surgimento das grandes cidades, o prelúdio de um sistema capitalista, as influências socioculturais vindas da Europa e muitas outras coisas modificavam a vida no país do Tio Sam. Tudo está se transformando de forma acelerada. E esses são claros sinais de uma nova ordenação social, que segue gerando desigualdade, preconceitos e, consequentemente, mais sangue de inocentes derramado.
Genocídio indígena e reflexos da abolição
A morte de inocentes é algo muito presente na história da colonização desse povo, algo que pode ser visto em filmes como Pequeno Grande Homem ou Enterrem Meu Coração na Curva do Rio, que abordam a questão do genocídio dos povos indígenas ou Django Livre e 12 Anos de Escravidão, que abordam os absurdos da escravidão do povo negro. O genocídio indígena praticamente exterminou todo o povo nativo do território e, atualmente, poucas comunidades ainda resistem no país, algo que também aconteceu na colonização do Brasil, mas de forma distinta.
Já a abolição norte-americana ocorreu em 1863, mas a igualdade nunca existiu de fato no país (quiçá no mundo). Inclusive, a KKK (Ku Klux Klan) aparece no jogo, sendo possível que você ataque seus membros (algo que lhe dará honra). Aliás, vale ressaltar que nosso protagonista, Arthur Morgan, é meio inclinado a ajudar as mais diversas causas no jogo, algo que, em alguns momentos, é opcional. Ou seja, ele não é forçado a essas situações, embora em alguns momentos, nosso protagonista salve personagens maltratados pelos fantasmas da escravidão e do racismo e se envolva mais diretamente nas questões indígenas.
As sufragistas
Arthur também acaba se vendo em meio aos anseios e protestos das sufragistas, algo que mesmo citado de forma breve, é interessante de ser abordado em um jogo eletrônico. Esse movimento ocorreu em vários países do mundo, entre o fim do século XIX e o início do século XX e foi criado para organizar a luta das mulheres pelo direito ao voto.
Contudo, como em todas as histórias, tais questões são passíveis de reflexão e certamente não são isentas de críticas. Mas, no caso de Red Dead Redemption 2, particularmente achei esses detalhes muito bem colocados, embora uma pequena parte mais “tóxica” da comunidade tenha se aproveitado da situação para espancar as sufragistas, que voltam a ser NPCs do jogo após as missões. Vale ressaltar que, além de imatura, essa é uma atitude extremamente imbecil e condenável, que mostra claramente a falta de noção de alguns jogadores. Fora esse ato de imbecilidade, o game além de entreter e levar os jogadores para outra realidade, também ensina e suscita a curiosidade, mesmo que de formas simples e, digamos, “menos ortodoxas”.
Um resumo geral da narrativa de Red Dead Redemption 2
O início
A história começa quando lo após um malsucedido assalto a balsa, em 1899, que força a Dutch Van der Linde e sua gangue a fugirem de Blackgate e abandonar todo o dinheiro adquirido. Dutch é o líder do bando e parece perceber que os dias dos foras-da-lei estão prestes a acabar. Sendo assim, ele fala em dar um “último golpe” para adquirir um grande montante de dinheiro e, finalmente, se aposentar. O jogo começa exatamente com essa ideia, no primeiro assalto a um trem, propriedade de Leviticus Cornwall, um dos ricaços da história. No entanto as coisas não são tão simples assim e Dutch segue prometendo que “o próximo assalto será o último”.
E bem, esse é o cenário ideal para um verdadeiro filme western: Cornwall busca vingança pelo assalto ao trem, que culmina em um tiroteio mortal na cidade de Valentine. Isso força com que o grupo de “nômades” precise fugir para Lemoyne. Nessa cidade, Arthur, nosso incrível protagonista e o bando, encontram as famílias rivais Greys e Braithwaites. E, claro, Dutch, para tirar vantagem da situação, entra no meio da rixa e por ser muito ganancioso, as subestima.
As coisas nunca saem como planejado
A gangue é encurralada e a história segue com tiros, mortes e sangue. No entanto, para se vingar, Dutch e o bando acabam com as duas famílias. Não só esses, mas diversos atos violentos assustam Arthur, que começa a se questionar sobre atitudes do líder, algo que é refletido nas ações do personagem no decorrer do jogo. Nesse momento, os jogadores se apegam ainda mais ao protagonista, que é um homem perturbado pelos seus próprios erros e que, de forma geral, busca ajudar aos seus da maneira que pode, numa espécie de busca pela “redenção”.
Essa virada do personagem é interessante e o humaniza, mesmo com toda a violência que se segue. Há nessa história claros reflexos do banditismo social, conceito de Eric Hobsbawm, que considera tais comportamentos como uma forma bastante primitiva de “protesto social organizado”. Claramente, o bando inteiro está descolado das novidades sociais da “civilização” e, portanto, sente-se socialmente excluído. Mas esse é um papo para um outro momento…
Sem lenço, sem documento (e sem endereço)
Essas fugas do bando, que passa por diversos planos fracassados e a constante perseguição dos Pinkertons, detetives particulares que ficam na cola do grupo o tempo todo, acabam levando os personagens a tomarem medidas drásticas. Nisso, alguns membros vão em direção a Cuba, para esperarem a poeira abaixar e, assim, voltarem tranquilos à ativa. Mas é claro, não é tão fácil. Em Red Dead Redemption 2, nunca é. Arthur, Dutch e outros personagens acabam sofrendo um naufrágio e vão parar numa ilha do Caribe chamada Guarma, que mostra um outro aspecto histórico da época: a exploração de mão-de-obra em engenhos de açúcar e o extermínio de diversos nativos. E, nossos atípicos personagens se envolvem nisso para conseguirem ter chance de embarcar de volta para os EUA.
Percebe-se que, de forma geral, o bando acaba sendo persuadido em vários momentos por Dutch e, assim, agem em prol dos desejos dele e, em alguns casos, acabam sendo úteis a outras causas nobres, como a citada acima. Ao longo de todas essas situações e mais ações absurdas do líder, Arthur decide questioná-lo e, como é de se esperar, as relações ficam estremecidas, fazendo com que o protagonista se afaste do personagem que, de certa maneira, era visto com muita admiração por ele.
Questões da época
Nessas aventuras, questões como as ciências e as tecnologias do período surgem na história. Um voo de balão, dispositivos de controle remoto, visitas ao médico e problemas de saúde como a tuberculose surgem na narrativa. Seja pela história principal ou as inúmeras missões secundárias, novos personagens e questões da época acabam surgindo. Em um desses momentos, o bando se vê envolvido em um conflito entre militares e os índios da Reserva Indígena de Wapiti. No decorrer desse conflito, muitas coisas acontecem e é interessante perceber como os criadores mostram as relações injustas com os povos nativos. E, como foi dito acima, esse é um traço cruel da colonização dos territórios da América do Norte.
Por fim, esse é um resumo geral, sem muito aprofundamento, mostrando questões de extrema relevância que são levantadas ao longo da extensa jornada de Red Dead Redemption 2. Questões como paternidade, amor, morte, traição e várias outras perpassam a vida de Arthur. O personagem gradativamente toma uma nova forma e é incrível (e triste) como isso humaniza o anti-herói e coloca para os jogadores suas questões mais pessoais, mostrando que há muito mais do que um fora-da-lei ali. Nesse e em vários outros pontos, o título mescla os melhores elementos dos clássicos filmes de bang-bang, dramas e questões históricas que, somados, criam uma narrativa épica.
Sobre a jogabilidade
Pois bem, de uma forma simplista, Red Dead Redemption 2 é uma espécie de “GTA do Velho Oeste”. O título pode ser jogado na primeira ou terceira pessoa, em um mundo aberto que abrange as regiões Oeste, Centro-Oeste e Sul de um fictício Estados Unidos. Além disso, ele apresenta o modo para um jogador, que narra toda a história citada acima e o modo multijogador online, chamado de Red Dead Online, que recebe diversas atualizações semanais. No modo para um jogador, controlamos na maior parte do tempo Arthur Morgan, que tem o objetivo de concluir diversas missões lineares com objetivos definidos. No epílogo, parte que junta a história de Red Dead Redemption 2 ao primeiro jogo, Red Dead Redemption, de 2019, acabamos por controlar John Marston. E, em ambos os casos, é possível também circular livremente pelas regiões, que são repletas de detalhes e personagens.
Mapa enorme e com diversas opções
Nesse aspecto, os jogadores podem testemunhar e até mesmo participar de incontáveis eventos encontrados pelo mapa. Portanto, você pode ter que se livrar de emboscadas e ajudar personagens em situações diversas como sequestros, tiroteios, furtos e várias outras coisas. O mundo de Red Dead Redemption 2 é muito vivo e diverso, algo que dá uma sobrevida impressionante para o jogo, indo muito além das missões primárias e secundárias. Além disso, ao ser solícito e ajudar as pessoas, você terá sua honra aumentada.
E há ainda muito mais coisas a serem dominadas nesse vasto jogo: partidas de pôquer, blackjack, dominó, caça, itens colecionáveis, etc. Tudo isso conta com sistemas apurados que chegam a impressionar. Por exemplo, ao longo da caça, se você quiser manter a qualidade do couro e da carne, é necessário que você tome uma série de cuidados como a localização onde o tiro é dado e o número de balas usadas. É impressionante, mas praticamente tudo tem uma consequência, parecendo muitas vezes uma simulação.
Já sobre o imenso mapa, nota-se que a maior parte dele é tomado por paisagens diversificadas. Pântanos, desertos, florestas densas, regiões montanhosas, neve. Tudo isso aparece, além é claro das cidades, vilas e fazendas. E para circular nessa imensidão, os melhores amigos dos personagens são os cavalos, que existem em diversas raças e características. Inclusive é possível domar um cavalo selvagem caso você não queira gastar dinheiro com isso. E, no decorrer da história, sua relação com o animal pode crescer. Para isso, é necessário ter todo o cuidado com o bicho, ao alimentá-lo e escová-lo.
Cada escolha, uma consequência
No geral, o título foca-se em especial nas escolhas feitas para a história e missões. Sendo assim, em alguns pontos será possível aceitar ou recusar missões adicionais e isso pode modificar a narrativa. Outro ponto é poder se comunicar com qualquer NPC. Portanto, é possível escolher diferentes ações como um cumprimento, um bate-papo ou insultos. Sobre os aspectos do protagonista, eles podem sofrer modificações físicas e de saúde e resistência. Portanto você verá os cabelos e barba de Arthur crescerem ao longo do tempo e, além disso, seu peso se modificando. Há também a degradação das armas, que precisam ser constantemente limpas para manter bom rendimento. Por último, o sistema do jogo conta com uma espécie de maestria. Ou seja, quanto mais você atira com determinada arma, mais você a controla. E existem muitas opções: revólveres, pistolas, espingardas, rifles, arcos, explosivos e armas brancas.
Tiros, crimes e a lei
E, a parte mais divertida do jogo são os tiroteios, que seguem o que também pode ser visto em GTA. Os jogadores podem optar por se esconder em coberturas diversas e atirar. Há como você neutralizar um oponente ao atirar em algumas partes específicas do corpo. Portanto, quando um inimigo é atingido, a IA reage com diferentes reações e movimentos, dependendo de onde o projétil atinge. A mecânica do Dead Eye, também presente no primeiro, traz um sistema de mira em que é possível que os jogadores ver tudo em câmera lenta, tendo a oportunidade de marcar vários inimigos. Por fim, essa mecânica vai sendo aprimorada com o tempo, concedendo mais habilidades, como deixar pontos vitais do inimigo marcados.
Por último, mas não menos importante, enquanto fora-da-lei, você deve se preocupar com seus crimes. E, ao comete-los, as testemunhas buscam ajuda dos agentes da lei, que logo investigam o ocorrido e, consequentemente, podem surgir atrás de você. Portanto, ao cometer qualquer delito, FUJA, pois os guardinhas virão com força e de forma cada vez mais intensa. E, dependendo dos seus atos, caçadores de recompensa irão atrás de você em momentos inusitados. Portanto, estude para ver se o crime realmente compensa.
Para fugir dos seus algozes, você deverá se dirigir para fora do círculo vermelho, que fica demarcado no mapa. Particularmente, tive poucos problemas com a lei (embora tivessem recompensas pela minha cabeça) e terminei a história com um alto índice de honra. Mas você pode optar por tocar o terror e ser temido nas cidades. Tudo depende de suas ações. No entanto, para quem quer ficar mais tranquilo, é possível pagar para não ser caçado, bastando ir em uma agência postal, onde os funcionários fazem piadinhas com seu nível de procurado.
Aspectos técnicos de Red Dead Redemption 2
Red Dead Redemption 2 é um jogo sensacional, com uma imersão impressionante em um cenário lindo e imenso. Tudo em seu cenário tem vida e isso é realmente grandioso. A jogabilidade todos os aspectos citados acima funcionam perfeitamente bem. A história e a sensação de temporalidade que ela traz é incrível e traz um realismo pouco visto em um game. E, para um título desta magnitude, particularmente presenciei poucos bugs. No entanto, preciso ressaltar que em alguns raros momentos as tive de reiniciar as missões por elas simplesmente ficarem travadas. Isso me obrigou a voltar do último ponto de salvamento para para conseguir seguir o jogo. No calor do momento, isso é horrível, é verdade. Mas é algo que dá pra passar batido.
Em outros momentos, vi personagens se deslocando de forma completamente bizarra, carroças travando e cavalos sendo lançados para o alto. Mas tudo isso em momentos muito aleatórios. Sendo assim, pouco atrapalham na jogabilidade. Contudo, como em toda crítica, esses pontos precisam ser ressaltados. Mas, fazendo o “advogado da Rockstar”, me surpreende que erros assim tenham ocorrido pouco, visto que tais problemas são corriqueiros no mundo dos games. E, francamente, isso não tira o brilho de Red Dead Redemption 2.
Sobre os aspectos audiovisuais, o jogo é deslumbrante e imersivo. Os diálogos são muito bem dublados (em inglês, mas totalmente legendado em português) e a sensação de mudança de ambientes é facilmente perceptível no áudio. Já os gráficos são deslumbrantes e muito bem executados. O título pode não ser o mais lindo da geração, mas está muito próximo disso. E, por último, a física é bem honesta e não conta com coisas muito absurdas. No geral, a execução do jogo como um todo é sensacional, e isso foi refletido pela crítica especializada, tendo a média de 97 pontos no Metacritic. Sendo assim, Red Dead Redemption 2 pode facilmente ser considerado como um marco na história dos games.
Vale a pena comprar Red Dead Redemption 2?
Depois de uma extensa crítica como essa, fica difícil não dizer que o jogo vale a pena. Red Dead Redemption 2 é uma recriação brilhante de um período interessante e complexo da história dos Estados Unidos da América. Ao longo da narrativa, é impressionante observar os efeitos da ação do tempo e as diferentes ações e reações de cada um dos personagens. O enredo é digno dos melhores filmes de western e, sem se furtar a ficar apenas nos tiroteios, aprofunda questões históricas importantes do período, que reverberam até os dias atuais.
Sua jogabilidade pode ser considerada “lenta” por alguns jogadores, mas esse é um jogo com história, portanto, não pode ficar preso a pura ação, como diversos shooters por aí. E acredite, aqui temos tiroteios para todos os gostos, em diversos cenários e contra incontáveis inimigos. Ou seja, não há uma forma de dizer que Red Dead Redemption 2 é chato, parado ou sem graça. Isso seria uma injustiça sem tamanho de quem não explorou a sua grandeza, que conta com muito mais de 100 horas de diversão entre andanças e missões primárias e secundárias.
Em conclusão, mesmo tendo uma narrativa que foge totalmente do ritmo dos jogos atuais, algo que não é nada ruim, diga-se de passagem, Red Dead Redemption 2 é um título indispensável para todos os jogadores e entusiastas. Sua história é muito bem roteirizada, profunda e pautada em momentos e questões históricas; sua jogabilidade interessante, que esbarra entre simulação e diversão; e seus aspectos audiovisuais o tornam facilmente em um clássico que será lembrado nas outras gerações.
*Review elaborada no PC, com código fornecido pela Rockstar Games.
Red Dead Redemption 2
Prós
- História longa e envolvente
- Jogabilidade simples e divertida
- Ambientação incrível
Contras
- Alguns bugs podem ocorrer
