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South of Midnight | Review

Desde o primeiro trailer que assisti sobre South of Midnight, game da Compulsion Games que será lançado para PC via Steam e consoles Xbox, chegando no dia 8 também para o Xbox Game Pass, fiquei encantado com a ideia. Mesclar em sua narrativa histórias dos Estados Unidos, seres lendários do imaginário popular do Sul Profundo e a questão da problemática dos povos negros na região, por meio de um jogo com gráficos em stop motion, foi algo que fez com que o jogo entrasse no meu radar. Contudo, comecei a jogar sem hype algum, algo que venho evitando desde as minhas últimas desilusões.

E, diante de tantas coisas interessantes, esta análise busca justamente entender o que se passa nesse jogo, se a narrativa em si, ponto que parece ser o grande destaque, realmente funciona e, um ponto muito importante para os jogadores, se o stop motion incomoda a jogabilidade. Sendo assim, prepare-se para viajar comigo a um mundo que mistura o real e o sobrenatural de uma maneira muito interessante!

Uma narrativa bonita e necessária sobre o “Sul Profundo” dos Estados Unidos

Olha, esse jogo vai causar polêmica com uma meia dúzia de gato-pingado na internet. O protagonismo feminino incomoda. Agora, o protagonismo de uma garota negra, certamente incomodará muito mais. Quanto aos que se sentem afetados por isso, só posso dizer uma coisa: tenho pena de vocês. Hazel, a nossa grande protagonista, é uma adolescente negra no Sul dos Estados Unidos, uma região totalmente marcada por um histórico racista e escravocrata. Portanto, afirmo antes de mais nada, que South of Midnight não é só um jogo de ação e aventura. Para mim, foi uma linda jornada entre os fantasmas da história sulista, onde a mitologia folclórica se entrelaça com as cicatrizes de um passado real e doloroso.

Voltando à nossa protagonista, logo no início da narrativa percebemos que ela viveu a perda do pai, e terá que dar o seu melhor não só para resolver seus problemas, mas para conviver com questões de diversas pessoas. Com isso, somos colocados em um mundo mágico e decadente que ecoa as memórias da escravidão, da segregação e da resistência no chamado “Sul Profundo” dos EUA. Após ver sua casa e sua mãe serem levadas pela enxurrada, Hazel acaba se descobrindo como uma Tecelã, algo totalmente novo e complexo, assim como outras descobertas da adolescência, que nos levam a ter mais responsabilidades.

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A ambientação é sensacional! (Imagem: Divulgação)

Assim, ela tem o objetivo de restaura o mundo ao seu redor, enquanto costura diversas histórias rompidas, reconecta linhagens apagadas e confronta memórias perdidas pelo tempo. E tudo isso se passa na cidade de Prospero, onde ela se vê obrigada a enfrentar as Assombrações, criaturas nascidas de traumas não resolvidos de personagens que vão surgindo ao longo do jogo. Com isso, South of Midnight, além de divertir, nos emociona, nos convidando a uma reflexão sobre como o legado da opressão racial moldou e segue a moldar a vida da população negra no Sul dos EUA.

Com isso, a riqueza de South of Midnight mescla lendas conhecidas de regiões como Mississippi, Alabama e Louisiana, que acabam sendo evocados no jogo não somente através dos ambientes, mas também pela questão da espiritualidade afro-americana, extremamente rica. Assim, ao longo da história, somos apresentados a símbolos, rituais e narrativas orais, que auxiliam Hazel ao longo de sua jornada, ao passo que também mostra aos jogadores e jogadoras formas de sobrevivência e resistência de uma época mais remota.

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Saca só essa estileira! (Imagem: Divulgação)

Desta forma, confesso ter me sentido tocado com as várias histórias, muitas delas trágicas, contadas em South of Midnight. Cada detalhe apresentado, seja por meio de cutscenes ou de documentos encontrados que ampliam ainda mais a lore, o jogo consegue ser divertido e poético, nos imergindo em um mundo dividido entre o real e o sobrenatural. A equipe da Compulsion Games caprichou, mais uma vez, na forma de contar essa linda e intensa história, criando personagens extremamente cativantes e únicos. No caso de Hazel, é legal ver o seu desenvolvimento ao longo das 10-12h da trama, emulando bem o que é a vida de uma adolescente.

Como é ser uma Tecelã?

Uma coisa interessante em South of Midnight é a sua progressão. Desde a descoberta das habilidades de Tecelã, até o final do jogo, Hazel vai aprendendo a manusear novas ferramentas e a lutar contra diferentes inimigos. As habilidades, trocadas por meio de Pelos escondidos ao longo dos mapas, dão à protagonista uma variedade de golpes. No entanto, não há uma árvore extremamente complexa e cheia de possibilidades. Neste ponto, o jogo é até bem simples, as liberando gradativamente, com o decorrer da história, algo que nos dá uma sensação de desenvolvimento da personagem. Isso é endossado pelo surgimento de novos inimigos, cada vez mais complexos.

Porém, preciso mencionar que South of Midnight não traz um sistema de combate difícil. Na verdade, ele é bem interessante e prático, já que os comandos de dash e ataque são bem simples e explicados logo no início do jogo, assim como todas as novidades que vão surgindo. As batalhas em questão, ocorrem em momentos demarcados pelo mapa, em que temos que encarar um grupo de Assombrações que defendem os Emaranhados, que temos que desembolar, seja para acessar as diversas narrativas, ou para abrir caminho para o próximo objetivo. Com isso, fica nítido que South of Midnight é bem linear, e isso não é necessariamente um problema.

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Hazel é um dos grandes destaques do jogo. É uma protagonista incrível! (Imagem: Divulgação)

Falando nisso, o único problema que consegui encontrar em South of Midnight foram as batalhas contra as assombrações, que acabam ficando repetitivas, mesmo que os inimigos fiquem cada vez mais fortes. Elas acontecem de maneira prevista, sem surpresa alguma, sendo todas no mesmo estilo. Já não posso falar o mesmo dos chefões, que trazem consigo mecânicas variadas e desafios maiores. Mas, nada que nos faça gastar horas e horas para concluir. Com isso, a sensação que tive é que o jogo não tem essa pretensão de ser difícil e complexo como um soulslike. Ele é um jogo de ação e aventura, que aplica muito bem pitadas de plataforma bem agradáveis.

Neste ponto, South of Midnight poderia ter algumas variações nos combates para além dos inimigos. Sei lá, talvez mapas com relevos, pontos de perigo, não sei. Mas, do jeito no qual a jogabilidade foi concebida, acabei ficando com a sensação de que o foco está justamente na jornada de Hazel em superar os desafios até encontrar sua mãe. Se, por um lado, as lutas deixam um bocado a desejar, mesmo sendo muito responsivas e bem executadas, as partes de plataforma podem tranquilamente ser consideradas um ótimo destaque.

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A jogabilidade funciona perfeitamente bem, mesmo com suas repetições. (Imagem: Divulgação)

Gráficos e sons diferenciados

A estética apresentada por South of Midnight é simplesmente maravilhosa. A ideia de apostar na técnica do stop motion, técnica de animação que cria uma espécie de ilusão de movimento por meio de uma sequência de fotografias, traz uma autenticidade ímpar para o título. Desenvolvida em parceria com a talentosa Clyde Henry Productions, este pode ser considerável facilmente um dos pontos mais legais de South of Midnight. Assim, com marionetes reais, maquetes esculpidas à mão e técnicas tradicionais de animação, Prospero e seus arredores são apresentados a nós, fugindo totalmente do que estamos habituados. O resultado é uma estética maravilhosa, com texturas imperfeitas e movimentos sutis que dão alma ao jogo.

Contudo, como tudo que é diferente causa estranhamento ou preguiça nas pessoas, aqueles que não se identificarem com a linguagem do stop motion poderão desativá-lo durante a jogabilidade. Porém, a técnica será mantida nas cutscenes, onde ela apresenta realmente o seu ápice. Os gestos, olhares e expressões são carregados de emoção, significado e marcas de modelagem, nos transmitem sensações que dispensam palavras. Cada movimento parece se encaixar perfeitamente na proposta do jogo, sendo algo muito incrível.

Isso, por sua vez, acaba sendo maravilhosamente acompanhado de uma trilha sonora totalmente autoral, que mistura blues, cânticos gospel e ambientações sonoras que referenciam o Sul Profundo de uma maneira extremamente autêntica, algo que também é refletido na beleza e nos encantos de cada um dos personagens. Mais que um barulho ao fundo, a música em diversos momentos serve como uma espécie de fio narrativo, contando as histórias do jogo de uma maneira diferenciada. E isso é muito incrível, sobretudo quando nos damos conta de que muitas coisas estão sendo ditas para guiar os caminhos de Hazel.

Em termos técnicos, o jogo está muito bem: roda a 4K com 60FPS no Xbox Series X e entrega fluidez semelhante em 1080p no Series S, sem sacrificar desempenho. Já no PC, versão em que foi feita esta análise, o jogo se adapta livremente, alcançando um nível visual deslumbrante que realça ainda mais sua estética artesanal, com quadros livres, gráficos mais polidos e desempenho extremamente positivo. É lindo de ver! Sendo assim, South of Midnight é muito ousado em sua proposta visual e sonora, articulando ambos de maneira impecável, sendo ambas incríveis expressões de arte.

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Ao avançarmos na história, sempre surgem novas possibilidades. (Imagem: Divulgação)

Vale a pena jogar South of Midnight?

Olha, eu vou ser muito franco: gosto de jogos com grandes narrativas, e South of Midnight me acertou em cheio. Porém, não posso dizer que o título da Compulsion Games traz uma jogabilidade totalmente inédita, pois isso não é verdade. Como disse anteriormente, o combate de South of Midnight é repetitivo, embora não seja ruim. A questão é que ficou muito demarcado ao longo da narrativa. Porém, o próprio jogo deixa claro o motivo disso. Mas, sei lá, poderia ser diferente nesse ponto. A parte mais plataforma e aventura, por sua vez, funciona muito bem. A propósito, ela é desafiadora na medida certa, inclusive quando jogamos com o fofo Crouton.

Desta forma, a resposta para a pergunta é SIM, sobretudo para aqueles que estão em busca algo além do convencional. Este não é um jogo feito para quem procura somente ação desenfreada ou desafios mecânicos extremamente complexos. É uma experiência pensada para ser sentida com calma, onde a narrativa, a estética e a atmosfera trabalham em perfeita harmonia para entregar um jogo com identidade. Assim, com sua arte em stop motion deslumbrante, trilha sonora com raízes profundas na cultura negra do sul dos Estados Unidos, uma protagonista forte e cativante e personagens incríveis e mágicos, para mim, South of Midnight se destaca como uma das experiências mais legais e sensíveis dos últimos tempos.

*Review feita em um PC equipado com uma GeForce RTX, com código fornecido pela Microsoft/Xbox.

South of Midnight

BRL 199,00
9.2

História

9.8/10

Jogabilidade

8.6/10

Gráficos e sons

9.2/10

Extras

9.2/10

Prós

  • Legendado para português brasileiro
  • Uma das melhores narrativas dos últimos tempos
  • Estilo gráfico marcante, com stop motion opcional
  • Jogabilidade totalmente responsiva
  • Personagens cativantes ao longo de toda a trama

Contras

  • Sistema de combate acaba sendo repetitivo
  • Alguns pequenos erros de tradução

Álvaro Saluan

Historiador e cientista social de formação, é completamente apaixonado por videogames e escreve sobre o tema há uns bons anos. Vê os jogos para além do entretenimento, considerando todo o processo como uma grande e diversificada arte.