Bravely Default Flying Fairy HD Remaster | Review
Para mim, um bom RPG precisa marcar quatro caixinhas essenciais: sistema de progressão gratificante, narrativa envolvente, ritmo compassado e combate interessante. Exceto se estivermos falando de Pokémon, mas isso é para outra análise.
Lançado como um exclusivo para o Nintendo Switch 2, Bravely Default Flying Fairy HD Remaster traz o clássico surpresa do Nintendo 3DS de volta – e com o retorno, a herança paradoxal: marca espetacularmente bem algumas dessas caixinhas, enquanto tropeça feio ao deixar em branco outras por não consertar erros já conhecidos.
Bravely Default: Flying Fairy HD Remaster foi desenvolvido pela Cattle Call, em colaboração com a equipe original da Square Enix, liderada por Tomoya Asano (produtor geral da série) e Naofumi Matsushita (produtor do remaster). Em entrevistas, eles contam que foram escolhidos por sua paixão pelo jogo original e pela disposição em explorar os novos recursos do Nintendo Switch 2 – como o modo “mouse” dos Joy-Con.
Em 2012, eu diria sem cerimônia que jogar Bravely Default no 3DS era obrigatório. Será que hoje vale a pena jogar Bravely Default: Flying Fairy HD Remaster?
Índice

A arte do combate: a caixinha estragicamente marcada
O grande trunfo de Bravely Default Flying Fairy HD Remaster é o sistema Brave e Default. Abandonando turnos tradicionais, escolher Default levanta uma postura defensiva e soma um turno guardado, enquanto Brave permite gastar até quatro turnos de uma só vez – isso cria um jogo de risco e recompensa que exige leitura do cenário, do time e planejamento tático.
Por exemplo: use Default por dois turnos contra um chefe para se defender; assim, você armazena pontos de Brave; no terceiro turno, escolha soltar três Braves com magias e habilidades coordenadas entre os membros do time. O resultado? Um ataque conjunto muito mais voraz do que três turnos. Se você anular a ameaça, ótimo! Mas… e se o chefe sobreviver? Pode ser uma catástrofe.

É puro xadrez com espadas amplificado pelas 24 profissões e combinações criativas de habilidades, o jogo brilha na profundidade estratégica e customização de builds. Essas profissões (ou classes, para os puristas) vão de cavaleiro (tanque de defesa) a mercador (compra vantagens em batalha), passando por valquíria (ataques aéreos) e mago negro (dano elemental).
E, à medida que Tiz, Agnes, Edea e Ringabel aprendem novos ofícios, nós temos um acervo maior para escolher atividades passivas. Como se chama um mago branco com as habilidades passivas de um cavaleiro? Um curandeiro blindado. O combate e as profissões são, sem dúvida, a melhor parte de Bravely Default Flying Fairy HD Remaster. Ao final da batalha, quando ganhamos a experiência, alguns condicionantes oferecem bonificações, como vencer sem tomar dano ou em um só turno.

Trama conhecida, execução duvidosa: a caixinha de narrativa partida
A história dos quatro heróis – Agnes Oblige, a sacerdotisa predestinada a “salvar o mundo” com cristais; Tiz, o cavaleiro que perdeu sua vila num desastre; Ringabel, o amnésico mulherengo com um diário suspeito que escreve o futuro; e Edea, a espadachim que traiu o império por convicção – repete clichês vistos em todos os formatos, em especial RPGs: reativar cristais elementais para salvar o mundo de um abismo escuro que engole os recursos naturais do planeta. Os mares e rios estão contaminados, impossibilitando a navegação e o consumo d’água; os ventos pararam, deixando a futurista cidade eólica no meio do deserto à sorte.
Ser um clichê está longe de ser um problema (eu adoro Avatar; tanto o filme quanto a série animada, neste caso, porém, o filme mesmo), mas a execução deixa a desejar. Apesar de reviravoltas pontuais, a narrativa perde-se na ambição. Diálogos excessivamente longos e prolixos interrompem o fluxo do jogo na falsa ilusão de desenvolverem o personagem.

Sabe aquela premissa do “mostre, não diga”? Pois é, Bravely Default fez o contrário lá no 3DS e, hoje, Bravely Default Flying Fairy HD Remaster infelizmente repete esse problema, comprometendo um dos requisitos para um ótimo RPG.
Você sai de uma cena interminável de quase 10 minutos, anda três passos no mapa, e é interrompido por outra conversa entre os personagens. Parece que um roteirista iniciante não soube editar suas ideias.
Portanto, enquanto o combate é dinâmico, empolgante e um emaranhado de novidades, o ritmo é seu oposto. As 60 horas de jornada sofrem com a prolixidade de cenas intermináveis e com a repetição estrutural para restaurar cada um dos quatro cristais (pense num copia-cola reprocessando toda a jornada, inclusive o final).
Um último detalhe, acredito que seja também um agravante, mas é controlável e fica a critério do jogador: o tempo das sessões de jogatina. Enquanto no 3DS era mais natural jogar em doses diárias de 30 minutos ou de uma hora, essa ideia pode até ser preservada em Bravely Default Flying Fairy HD Remaster para Nintendo Switch 2, mas não fica tão restrita. E o game funciona melhor em pequenas doses, pelo menos para mim.

Extras que não convencem: caixinha meio cheia, meio vazia
A reconstrução da vila de Norende é um dos aspectos mais envolventes de Bravely Default e fazia muito sentido no portátil: você fechava o console e voltava depois para ver lojas novas e os caminhos abertos.
Mesmo sendo tecnicamente um minigame, ela se integra de forma inteligente ao ritmo do jogo, incentivando o jogador a voltar diariamente para acompanhar o progresso. A forma como o tempo real é utilizado – com construções que levam horas para serem concluídas – transforma o ato de jogar em um hábito constante, quase como cuidar de um tamagotchi.

À medida que lojas e instalações são restauradas e evoluídas, o jogador desbloqueia itens raros, equipamentos poderosos, acessórios exclusivos e até itens e golpes especiais que ampliam as possibilidades estratégicas em combate, como bombas elementais. Cada loja atinge até o nível 11, e quanto mais avançadas, mais valiosas se tornam suas ofertas – como Magic Knife, Heike Armor ou Falcon Knife.
É uma mecânica simples, mas eficaz, que recompensa a paciência e o planejamento, e que faz todo o sentido. Ver Norende crescendo aos poucos e ganhando novas lojas e melhorias cria um senso de progresso tangível, que complementa perfeitamente a jornada dos personagens.

E também nos proporciona vantagens, né? Especialmente se tivermos poucas horas de jogo durante a semana, mas sempre conferirmos a vila durante o almoço do trabalho. No fim de semana, você terá itens soberbos ainda no início da aventura.
Por outro lado, embora bem-vindos como distrações criativas, os minijogos inéditos de Bravely Default: Flying Fairy HD Remaster soam mais como curiosidades simpáticas do que elementos essenciais.

Tanto Ringabel’s Panic Cruise, com sua proposta multitarefa de controlar um dirigível, quanto Luxencheer Rhythm Catch, um simpático e falho jogo de ritmo com bastões de luz, oferecem recompensas úteis para quem gosta de ler os diários e exibem um uso interessante dos Joy-Con 2 – mas permanecem periféricos ao coração da experiência.
São atividades opcionais que servem para variar a rotina dos combates por turnos e expandem o charme do universo do jogo, porém sem peso suficiente para justificar uma nova compra ou compensar os aspectos que critico. Bravely Default Flying Fairy HD Remaster seria melhor se tivesse repensado todas as conversas dos personagens, recortado um pouco da cansativa reta final ou trazido conteúdo inédito para a campanha.

Audiovisual: a caixinha intacta
Sim, os personagens e inimigos poderiam ter sido remodelados de tal maneira a ficarem próximos das capacidades atuais, assim como muitos cenários. Ainda assim, Bravely Default: Flying Fairy HD Remaster mantém o charme pictórico dos cenários ilustrados aplicados sobre edificações tridimensionais e batalhas cheias de efeitos e luzes.
Dá vontade de que as cidades fossem maiores e que os diálogos fossem mais ricos, para que assim pudéssemos nos perder nelas e conversar com locais para descobrir os próximos passos.
O melhor aspecto visual é a interface gráfica. Raros são os casos de ter aproveitado uma jornada com uma interface tão intuitiva e completa. É fácil navegar entre telas de equipamento, profissões e habilidades. Até nas infinitas páginas do diário de Ringabel, com a enciclopédia de monstros e inimigos. É fácil.

Os visuais de comandos na batalha também abusam da qualidade de vida: você pode acelerar o jogo duas ou quatro vezes, salvar listas preferidas de comandos que serão automaticamente executados, e até mesmo personalizar as frases durante golpes especiais. Fino. Embora tenha menus tão intuitivos, é uma pena que o jogo não esteja traduzido ao português – para texto e legendas, somente em alemão, espanhol, francês, inglês, italiano ou japonês.
O jogo está dublado tanto em inglês americano quanto em japonês e… Bom, eu me lembrava bem que o idioma do Mickey era cheio de altos e baixos na atuação. Testei no começo e, surpresa, continua cheia de altos e baixos, com entregas planas dominando algumas poucas vozes que forçam demais a emoção. Aproveitei para jogar em japonês, uma língua estranha para mim não fossem os animes e o cinema, e aqui a coisa muda de figura – digo de sonoridade: ouvir o quarteto é empolgante e transmite emoções mesmo sem entendermos uma sílaba. A direção de dublagem nipônica está de parabéns!

Já a trilha sonora em Bravely Default: Flying Fairy HD Remaster, composta por Revo (da banda Linked Horizon), é amplamente celebrada como um dos pilares emocionais e estilísticos do jogo original. E não é para menos!
Acho que as pessoas se referem ao gênero como rock sinfônico e o músico mistura orquestrações que buscam o épico com temas melódicos e arranjos que evocam tanto a grandiosidade dos RPGs clássicos quanto a identidade própria da série, somando, claro, riffs de guitarra.
Desde a serenidade de vilarejos como Caldisla até a tensão dramática dos confrontos contra chefes, a musicalidade do título alivia a minha angústia com os diálogos.
Mesmo sem temas inéditos no remaster, a trilha original foi mantida em sua totalidade e agora soa melhor graças à remasterização de áudio. Ela é parte inseparável desta jornada e, depois de tantos anos, diria que o define, pois foi ouvir o primeiro tema de batalha que ativou o efeito nostalgia em mim.

Vale a pena jogar Bravely Default: Flying Fairy HD Remaster?
Bravely Default Flying Fairy HD Remaster é um paradoxo: marca com excelência as caixinhas do combate tático e do sistema de progressão – definido aqui pelas profissões–, mas falha cronicamente em ritmo e narrativa.
Ainda que a narrativa falhasse, devo alertar que o problema de ritmo na jornada seria capaz de afastar jogadores menos resilientes. Para quem já jogou Bravely Default, sugiro fazer um exercício de memória para avaliar qual foi a sua sensação naquela época.
Sinceramente, desta vez, senti que foram 60 horas algo arrastadas, bem mais do que no 3DS, e acredito que busco mais jogos com o tabuleiro tático do que infantarias alinhadas no mano a mano. Gostaria muito de ver Bravely Default evoluir ao que seria uma versão de Final Fantasy Tactics. Aliás, deixo aqui minha playlist da jornada, para você conferir a gameplay sem comentários.
Apesar das minhas reclamações, o jogo continua bom – difícil entender a exclusividade para o Switch 2, senão por motivos comerciais além de temporária, claro–, e indico especialmente para fãs de estratégia que tolerem diálogos extensos e repetição. Caso prefira uma narrativa fluida e ritmo moderno, parta para Bravely Default II.
Bravely Default: Flying Fairy HD Remaster foi lançado no dia 5 de junho, como um título de lançamento do Nintendo Switch 2. Ele está disponível por R$ 199,50 na Nintendo eShop.
*Review feita com código fornecido pela Square Enix.
Bravely Default Flying Fairy HD Remaster
BRL 199,50Prós
- Sistema Brave/Default ainda é taticamente brilhante
- Profissões variadas permitem builds criativas
- Interface intuitiva e cheia de qualidade de vida
- Trilha sonora épica remasterizada por Revo
- Minigame de Norende recompensa sessões curtas
Contras
- Narrativa arrastada com excesso de diálogos atrapalha o ritmo
- Repetição estrutural compromete o ritmo
- Poucas novidades realmente relevantes no remaster
- Minijogos novos são superficiais e descartáveis
- Não está em português do Brasil


