AnálisesPCPlayStationSlide

Dispatch | Review

Existem jogos que a gente começa sem saber exatamente o que esperar, e outros que deixam muito claro, logo no primeiro minuto, qual é a proposta. Dispatch fica bem no meio desse caminho. Quando sentei para jogar o episódio piloto, fui recebido por uma cena de tortura, seguida por uma luta coreografada digna de animação de cinema e, ao mesmo tempo, por uma sensação curiosa de familiaridade, afinal, o jogo é fruto da AdHoc Studio, um estúdio formado por ex-desenvolvedores da Telltale.

Só que Dispatch é um jogo mais maduro, mais polido e com um tempero estranho, quase experimental. Conforme avançava pelos capítulos, percebia que não é apenas ser um game narrativo. Ele quer ser uma série de TV interativa, com ritmo próprio, personagens exagerados, e com uma estrutura que abraça tanto quem quer só assistir quanto quem quer participar ativamente, dentro da estrutura que o game se propõe. E, embora essa mistura nem sempre funcione da maneira mais tradicional, ela estabelece uma identidade muito única.

Ao longo dos oito episódios, testei o game tanto no PC quanto no Steam Deck, e o desempenho impecável nas duas plataformas me permitiu absorver cada detalhe dessa história de super-heróis que, à primeira vista, parece caótica, mas que, por baixo, é surpreendentemente bem amarrada. Quer saber os detalhes do que achei? Vem comigo em mais uma review do Pizza Fria!

Um herói aposentado, um trabalho ingrato e um mundo que não para de explodir

A narrativa de Dispatch acompanha Robert Robertson, um ex-heroi conhecido como Homem-Meca, que teve sua carreira destruída após enfrentar o vilão Mortalha. Sem armadura, sem status e sem muitas perspectivas, ele acaba aceitando um emprego como despachante na Superhero Dispatch Network (RES), uma central responsável por coordenar heróis pela cidade de Los Angeles. É quase como se The Office encontrasse The Boys, com uma pitada de drama pessoal e muita, mas muita ironia.

Logo nos capítulos iniciais, somos apresentados à rotina de Robert, que é tudo menos tranquila. A RES funciona como uma mistura de agência de emergência e central de relações públicas, e o protagonista precisa lidar com burocracias, heróis egocêntricos, problemas crescentes e a sombra do seu passado. Para completar, a equipe à qual ele é designado – a chamada Equipe Z – é composta majoritariamente por ex-vilões em “processo de reabilitação”.

Dispatch
Você foi avisado, Robert! (Imagem: Reprodução (PC) /Lucas Soares)

A dinâmica entre os personagens é, sem exagero, um dos grandes trunfos do jogo. Robert é sarcástico na medida certa, cansado na medida certa e humano o suficiente para criar empatia imediata. Loira Luminar, a heroína mais poderosa do grupo, mistura tatuagem corporal e carisma hollywoodiano com sutis tensões românticas que o jogo sugere com inteligência. Invisiva, Flambae e o restante da Equipe Z são igualmente carismáticos, cada um com uma personalidade tão exagerada que seria caricata se a escrita não fosse tão eficiente.

O humor funciona. E funciona muito bem! Nada soa forçado ou deslocado. É tudo rápido, espirituoso e cheio de personalidade. A história caminha em ritmo acelerado, com variando entre 40 a 60 minutos que não perdem tempo com enrolação. Se você já se cansou de jogos narrativos que esticam capítulos com longas caminhadas ou puzzles redundantes, Dispatch é praticamente o oposto disso: direto ao ponto, sem gordura, sem enfeites.

Dispatch
Loira Luminar é a gerente da operação do RES (Imagem: Reprodução (PC) /Lucas Soares)

Narrativa ramificada, decisões constantes – mas sem punição

Em termos de estrutura, Dispatch lembra fortemente os títulos da Telltale, mas com uma diferença essencial: não há game over. Em absolutamente nenhum momento da minha jogada falhei de forma a interromper o progresso. Mesmo quando tomei decisões claramente questionáveis ou quando cometi erros em pequenas ações, a história simplesmente seguiu em frente, reconhecendo a falha e incorporando o resultado.

Isso é deliberado. O jogo quer que você avance, quer que a narrativa flua como uma série. E isso conversa bem com o formato episódico. As decisões importam, mudam diálogos, alteram como personagens veem Robert, criam variações em cenas importantes e até liberam caminhos alternativos. Mas não existe uma rota “errada”, nem aquele receio clássico de estragar o capítulo porque você apertou o botão na hora errada.

Dispatch
O sistema de escolhas de Dispatch é similar ao de outros jogos do gênero (Imagem: Reprodução (PC) /Lucas Soares)

E aqui chegamos ao ponto mais curioso: Dispatch permite que você desative os Quick Time Events (QTE). Todos eles. Ou seja, você pode literalmente assistir às cenas de ação como se fossem animações, sem interferência. Isso reforça a sensação de estar consumindo uma série de TV animada. Ao mesmo tempo, pode incomodar quem esperava mais participação mecânica nesses momentos. É aquela dicotomia constante do jogo: uma experiência narrativa forte, cercada de gameplay mínimo – e isso pode dividir opiniões.

Um jogo que quer que você gerencie, mas que nem sempre parece um jogo

Os elementos de gameplay estão espalhados de forma calculada entre diálogos e cenas. Há dois minigames principais: um de hacking, onde você navega por circuitos eletrônicos ativando nós e seguindo comandos; e o mais importante, o de despacho de heróis, que dá nome ao jogo e adiciona um toque de estratégia leve.

Dispatch
A tela de despacho dos heróis para suas missões (Imagem: Reprodução (Steam Deck) /Lucas Soares)

Durante o despacho, você observa um mapa da cidade recebendo chamadas de emergência em tempo real. Cada ocorrência exige atributos específicos – força, velocidade, carisma, inteligência – e você precisa escolher quem enviar. Os heróis sobem de nível, evoluem seus atributos e até apresentam personalidades que interferem nas respostas. Flambae, por exemplo, tende a ser indisciplinado, enquanto Invisiva é orgulhosa e pode causar problemas dependendo da situação. É simples, mas divertido, e tem um charme próprio.

A sensação, no entanto, é que o gerenciamento poderia ser mais explorado. Ele aparece em momentos pontuais de cada episódio, dura poucos minutos e, apesar de ajudar muito no ritmo, não chega a se tornar uma parte central da experiência. É quase como se houvesse um jogo dentro de outro. E essa estrutura incomum é justamente parte do que torna Dispatch tão peculiar.

Dispatch
Mesmo falhando, Dispatch não é um jogo punitivo (Imagem: Reprodução (Steam Deck) /Lucas Soares)

O sistema não chega a exigir pensamento profundo ou estratégia real – muitas vezes, basta enviar o herói com o atributo mais próximo do ideal e observar o resultado. Como disse acima, não existe falha que interrompa a história e, portanto, o peso mecânico das decisões é menor do que poderia ser.

Ainda assim, confesso que gostei desse equilíbrio. Os segmentos de gerenciamento quebram o ritmo narrativo sem arrastar, inserem variedade sem encher linguiça e criam pequenas oportunidades de interação que complementam a história em vez de competir com ela.

Dispatch
Bife é nosso fiel cãopanheiro (Imagem: Reprodução (Steam Deck) /Lucas Soares)

Arte, direção e animação de cair o queixo

Se existe algo em que Dispatch não tem medo de brilhar, é em sua apresentação visual. O estilo de arte cel-shaded, com aquele efeito de animação “menos quadros por segundo” similar ao que vimos em Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, deixa tudo parecendo uma animação moderna de altíssimo orçamento.

As lutas são coreografadas com cuidado absurdo. As expressões faciais têm vida própria. Os cenários capturam muito bem a mistura de cotidiano e caos heroico que o jogo busca transmitir. No PC, o jogo rodou sem quedas, sem stuttering, sem travadas – totalmente fluido. No Steam Deck, a surpresa foi ainda maior: desempenho impecável, consumo de bateria relativamente baixo e uma interface perfeitamente adaptada à tela menor. Por se tratar de uma experiência quase totalmente focada em animação, a taxa de FPS deixa de ser um “tema” aqui — o importante é a fluidez plástica das cenas, e ela está lá.

Isso tudo reforça a sensação de que Dispatch quer ser assistido tanto quanto quer ser jogado. E, honestamente, funciona.

Dispatch
O visual animado de DIspatch é espetacular (Imagem: Reprodução (PC)/Lucas Soares)

Som, dublagem e um elenco que eleva tudo

A dublagem é outro ponto em que Dispatch impressiona. Ter Aaron Paul na pele de Robert dá ao protagonista um peso dramático raro em jogos narrativos modernos. Laura Bailey, como Loira Luminar, não precisa de apresentações – ela domina cada cena que participa. Jeffrey Wright, Travis Willingham, Matthew Mercer, Jacksepticeye, MoistCr1TiKal… é um elenco grande, variado e surpreendentemente afiado. Para nós, brasileiros, o título conta com excelente localização em português do Brasil, incluindo expressões populares (como um “grupinho do zap”) que, aqui e ali, ajudam a ancorar o humor.

As vozes não são apenas boas: são expressivas. Cada diálogo tem intenção, ritmo, humor. É nítido que houve direção de voz cuidadosa, garantindo que as performances combinassem com o tom exagerado e cômico da escrita.

A trilha sonora, por sua vez, não tenta roubar a cena – e esse é seu acerto. Ela acompanha o drama, reforça o emocional, sustenta o humor e explode nos momentos certos. Os créditos de cada episódio trazem músicas-tema que funcionam como encerramentos de capítulos de série de TV, o que reforça a identidade televisiva do projeto.

Dispatch
A excelente localização de Dispatch! (Imagem: Reprodução (Steam Deck)/Lucas Soares)

Vale a pena jogar Dispatch?

Dispatch é, acima de tudo, uma experiência narrativa. Não tenta enganar o jogador com promessas de profundidade mecânica, nem se perde em sistemas complexos. Ele quer contar uma história de super-heróis imperfeitos, com humor ácido, ação coreografada e escolhas que moldam relações sem nunca punir o jogador por “errar”.

E, sinceramente, deu certo.

É um game episódico que entende como uma série deve funcionar. Que sabe quando acelerar, quando pausar, quando provocar. Que mistura comédia e drama sem tropeçar. Que entrega animação de primeira e performances dignas de produções televisivas.

Se você busca desafio, talvez não encontre aqui. Mas se busca uma boa história, com personalidade, ritmo e estilo, Dispatch é um dos melhores representantes do gênero nos últimos anos.

Com todos os episódios lançados, Dispatch está disponível para PC, via Steam, e PlayStation 5 desde 22 de outubro.

*Review elaborada em um PC equipado com uma GeForce RTX, com código fornecido pela AdHoc Studio.

Dispatch

BRL 88,99
8.5

HIstória

9.0/10

Gráficos e Sons

10.0/10

Gameplay

6.0/10

Extras

9.0/10

Prós

  • Narrativa ágil, bem escrita e cheia de personalidade
  • Personagens carismáticos e muito bem construídos
  • Dublagem excelente e localização brasileira caprichada
  • Visual e animação de altíssimo nível
  • Performance impecável no PC e no Steam Deck

Contras

  • Gameplay extremamente limitada
  • Sistema de gerenciamento subutilizado
  • Ausência total de game over reduz impacto das escolhas

Lucas Soares

Jornalista e fã de videogames desde criança. Já teve Mega Drive, Game Boy Color, PS1, PS2, PS3, PS4, PSVR, PS Vita, Nintendo 3DS e agora tem "só" um PS5, um Nintendo Switch e um PC Gamer. Para ele, o melhor jogo da história é Chrono Trigger, mas Metal Gear Solid 3, Final Fantasy X, The Last of Us Part II e Red Dead Redemption 2 completam o Top-5.