Dustborn | Review

Dustborn é um jogo de aventura que segue a jornada de Pax e seu grupo de amigos em uma road trip por uma América governada por um regime autoritário conhecido como Justiça. A missão deles é entregar um arquivo com informações sigilosas que podem ser cruciais na luta contra o fascismo que domina o país. Durante essa jornada, os personagens se disfarçam como uma banda de rock e enfrentam uma série de dilemas pessoais, relações e escolhas que prometem impactar profundamente a narrativa. Além disso, cada membro do grupo de Pax possui superpoderes que se manifestam através de palavras e, no melhor estilo X-Men, são caçados por representarem uma ameaça à sociedade dos “bons costumes”.

A premissa de Dustborn já revela uma combinação de elementos diversos, alguns mais interessantes que outros. Minha maior preocupação com o título era justamente se ele conseguiria equilibrar tantas temáticas distintas e ainda entregar uma história coesa. Infelizmente, meus receios se confirmaram. A narrativa do jogo se mostra dispersa, com muitos momentos que parecem perder o foco em questões irrelevantes, em vez de oferecer algo realmente envolvente. No entanto, nem tudo está perdido. Pegue seu café e acompanhe esta análise antecipada aqui no Pizza Fria!

Um começo nem um pouco empolgante

Dustborn tem um início bastante complicado. O jogo apresenta Pax e seu grupo de amigos em uma jornada até Nova Escócia, onde devem entregar um pacote crucial para a resistência contra o regime autoritário que governa a América. Logo no começo, o game introduz cada integrante do grupo através de diálogos, mas é aqui que surge um dos principais problemas: a escrita.

A narrativa de Dustborn tenta criar uma “vibe jovem e edgy”, o que acaba tornando os personagens caricaturas exageradas. Cada um parece retirado diretamente de uma fanfic do Tumblr, com estereótipos como a garota com depressão e o “paizão” que luta contra a masculinidade tóxica enquanto faz tricô. No entanto, o problema não está na representatividade em si, mas na falta de desenvolvimento desses personagens, que inicialmente se apresentam como estereótipos e não como pessoas reais com profundidade.

Dustborn
Os personagens são apresentados com personalidades clichês e seus desfechos na narrativa são previsíveis. (Imagem: Divulgação)

Esse aspecto se torna evidente nas longas conversas nos acampamentos, onde Pax deve criar laços com seus companheiros. Dustborn se mantém previsível, e é fácil perceber o tipo de relação que a protagonista desenvolverá com cada personagem, apesar da ilusão de escolha que o game tenta passar. As opções de diálogo, embora diversas, acabam sempre levando ao mesmo desfecho. Por exemplo, Sai, uma velha amiga de Pax que sofre de depressão e tem problemas emocionais, acaba sempre transformando a protagonista em sua conselheira. Independentemente das opções de diálogo, o papel de Pax é ouvir seus desabafos, com o jogador decidindo apenas se será compreensivo ou rude, mas ambos os caminhos acabam levando ao mesmo destino narrativo.

Outro exemplo está em Theo, um novo membro do grupo que, apesar de inicialmente ser emocionalmente fechado, segue o clichê de se apegar à equipe e eventualmente se integrar à “família”. Dustborn tenta criar situações onde podemos questionar quem realmente lidera o grupo, mas, no fim, a responsabilidade sempre recai sobre Pax, tornando essas interações irrelevantes. Esses são apenas alguns dos clichês que permeiam a trama: a irmã perdida e magoada, a ex-namorada apegada que não consegue superar Pax, e a possibilidade de reatar o relacionamento ao longo da jornada. Com todos esses elementos, Dustborn inicialmente deixa uma impressão negativa, embora haja aspectos que funcionam.

O poder das palavras

Um dos maiores diferenciais de Dustborn é que Pax e seus companheiros são “anormais”, possuindo o poder de manipular sentimentos e manifestar habilidades por meio de palavras. Esse mistério sobre como os personagens adquiriram esses dons é um ponto central, com dois grandes capítulos dedicados a explorar esse aspecto.

No entanto, na tentativa de abordar várias histórias ao mesmo tempo, Dustborn acaba subdesenvolvendo a narrativa relacionada às habilidades dos “anormais”. E isso não acontece porque o game deseja manter o mistério; pelo contrário, há um total abandono desse enredo em determinado ponto, com os próprios personagens decidindo que não falarão mais sobre isso. Essa escolha prejudica a trama, já que as habilidades de Pax e sua equipe são um dos pontos mais intrigantes do jogo.

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O principal mistério da trama é subdesenvolvido. (Imagem: Divulgação)

Durante diálogos, Pax pode usar seu poder para manipular outras pessoas a fazerem o que ela deseja, especialmente em momentos em que a Justiça, a polícia do governo autoritário, persegue os protagonistas. Há situações em que Pax precisa usar suas habilidades para escapar ou influenciar os oponentes. Essas habilidades se manifestam de diferentes maneiras: “Discord”, por exemplo, faz com que as pessoas comecem a discordar entre si, tornando-as mais propensas a aceitar as sugestões de Pax. Outra habilidade, “Block”, permite bloquear os pensamentos de alguém, deixando a pessoa incapaz de se mover, o que é bastante útil em situações perigosas.

Entretanto, utilizar os “shouts” (como as habilidades são chamadas pelos anormais) nem sempre é simples. Em algumas situações, para convencer as pessoas, é necessário usar várias palavras na ordem correta para ativar a emoção desejada. Em certos momentos da campanha de Dustborn, como quando Pax está servindo de conselheira para sua amiga Sai, podemos usar os shouts para acalmá-la e convencê-la de que tudo ficará bem. Para isso, é necessário primeiro explicar a situação e, em seguida, usar as palavras certas para plantar a ideia de que as coisas irão se resolver.

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Em alguns trechos da campanha, as habilidades dos personagens são usadas de maneira satisfatória. (Imagem: Divulgação)

Embora o conceito de usar os shouts nos diálogos seja interessante, ele não é tão presente quanto poderia. Dustborn limita essas interações a conversas pré-determinadas, que são relativamente poucas ao longo da história, o que acaba quebrando a imersão de ter que usar esse poder de forma estratégica. Teria sido mais interessante se o jogo oferecesse essas escolhas com maior frequência, permitindo que o rumo da história realmente fosse impactado por elas. No entanto, fica claro que os desenvolvedores optaram por limitar esse sistema, guiando a narrativa para finais pré-determinados. Com isso em mente, talvez você, leitor, se pergunte: afinal, o que realmente faz diferença na história?

Escolhas que moldam personalidades

Embora o grande destaque inicial de Dustborn pareça ser os superpoderes dos personagens, o verdadeiro foco acaba sendo as relações que construímos ao longo da jornada. Como mencionei anteriormente, esse aspecto decepcionou em função do quão previsíveis e clichês são os desdobramentos das interações entre Pax e seus companheiros. No entanto, existe um ponto que merece destaque: a evolução das personalidades dos personagens. Embora eles comecem de maneira bastante caricata, a partir da metade do jogo esse fator melhora um pouco, especialmente por conta das escolhas feitas pelo jogador. Dependendo da forma como Pax trata seus companheiros, eles desenvolvem novos traços de personalidade, que se manifestam em diálogos exclusivos.

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Nossas escolhas na história moldam as relações de Pax com seus companheiros. (Imagem: Divulgação)

Por exemplo, quando Zig, irmã de Pax, a reencontra, ela inicialmente a trata com hostilidade, acreditando ter sido abandonada. Zig, então, exibe uma personalidade derrotista, sempre pessimista e apenas desejando concluir a missão para voltar para casa. No entanto, se as escolhas corretas forem feitas nas conversas com ela, é possível que Zig se torne mais idealista, acreditando que as coisas ainda podem dar certo.

Quando esse novo traço de personalidade é desbloqueado, ele se reflete em diálogos específicos, enriquecendo a narrativa e dando uma maior sensação de profundidade aos personagens. Dustborn trabalha razoavelmente bem esse elemento, com os personagens ganhando mais complexidade na reta final. No entanto, esse desenvolvimento acontece tarde demais e, em alguns casos, parece apressado e até forçado.

Apesar de ser um ponto positivo, os personagens nunca se afastam completamente de suas características iniciais e exageradas. Dustborn tenta desenvolver alguns aspectos para justificar certas atitudes e pensamentos, mas, se o jogador não se conectar com nenhum dos personagens desde o começo, dificilmente essa percepção mudará ao longo da história. Não há uma transformação significativa, o que limita o impacto emocional dessas relações.

Rock e amizade

Para completar a jornada até Nova Escócia, Pax e seus amigos embarcam em um ônibus, disfarçados como uma banda de rock chamada Dustborn. Ao longo da campanha, o grupo realiza vários shows em bares e eventos, o que introduz um minigame de ritmo no estilo Guitar Hero, em que o jogador precisa apertar os botões na ordem correta para garantir um bom desempenho da banda.

Esses momentos são uma grata surpresa e funcionam muito bem, transmitindo a sinergia do grupo sem a necessidade de diálogos. Durante os acampamentos, além das interações costumeiras, também é possível pegar o violão e compor músicas que podem ser tocadas nos shows. As trilhas compostas por Pax são uma expressão de revolta política contra o fascismo e pela liberdade dos “anormais”, reforçando a temática central de Dustborn.

As vezes a única opção é o combate

Agora, vamos falar sobre a jogabilidade, que infelizmente é o ponto mais limitado do game. Dustborn é um jogo bastante linear, com cenários pré-determinados onde a protagonista pode andar, correr e, em combates, atacar com um taco de beisebol e usar seus “shouts” (habilidades baseadas em palavras) para confrontar inimigos. Quando Pax precisa lutar, o jogador deve realizar ataques corpo a corpo até encher uma barra de “ataque empoderado”, que libera um golpe potente acompanhado por frases como “Girl Power”. Além disso, há uma barra de “shouts”, que permite usar habilidades como empurrar inimigos, confundi-los ou realizar ataques especiais em conjunto com outro membro do grupo.

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Os shouts são uma parte essencial do combate. (Imagem: Divulgação)

Para melhorar essas habilidades, é necessário coletar “echos”, bolas de energia laranja espalhadas pelos cenários, que exigem a conclusão de minigames para serem obtidas. Em algumas ocasiões, essas esferas são protegidas por criaturas misteriosas em forma de polvo, e temos que realizar alguns quick time events para derrota-los.

Embora os momentos de combate em Dustborn não sejam frequentes, eles são bastante repetitivos e não apresentam grandes desafios. Além disso, o jogo sofre com quedas de FPS e até travamentos quando há muitos inimigos na tela. Minha experiência no PlayStation 5 foi frustrante em vários momentos, com o game travando cinco vezes durante as batalhas, o que interrompeu a fluidez da aventura.

Quando não estamos lutando, há pequenas áreas para explorar, onde podemos procurar peças para melhorar o taco de beisebol e itens colecionáveis que podem ser dados de presente aos membros da equipe. Infelizmente, esses momentos de exploração são problemáticos devido às graves quedas de FPS, especialmente em locais fechados. Um exemplo notável é quando Pax vai ao banheiro para refletir, e a taxa de quadros cai tanto que o título se torna praticamente injogável. Em áreas abertas, a situação melhora um pouco, mas ainda assim está longe do ideal.

Gráficos e trilha sonora

Visualmente, Dustborn se destaca por seu estilo artístico. O jogo adota uma estética que remete a quadrinhos, com cores vibrantes. Esse estilo é ainda mais evidenciado pelos segmentos em formato de comics, que surgem ao final de cada capítulo para recapitular as escolhas feitas pelo jogador. Apesar de o estilo gráfico ser chamativo e criativo, o nível de detalhamento nos cenários e objetos deixa a desejar, contando com bastante serrilhado.

Dustborn
Embora tenha uma estética bonita, faltou riqueza de detalhes nos objetos e cenários. (Imagem: Divulgação)

Quanto à trilha sonora, Dustborn brilha com suas composições originais, especialmente durante os segmentos de ação e nos momentos em que a banda de Pax se apresenta. Essas faixas expressam bem a essência rebelde e a luta contra o regime autoritário, combinando perfeitamente com a atmosfera política e emocional da narrativa. No entanto, o uso da trilha sonora é bastante esparso. Durante a maior parte do jogo, o foco é nos diálogos, e, em muitos momentos, a ausência de música contribui para um silêncio que pode deixar as interações entre os personagens mais monótonas do que deveriam ser.

Vale a pena comprar Dustborn?

Dustborn é um jogo com grande potencial, mas que tropeça em áreas essenciais para seu sucesso. O mundo apresentado é interessante e há uma clara tentativa de construir algo único. A estética visual dos quadrinhos e a temática política são boas ideias, mas o game falha em entregar uma narrativa coesa e envolvente. O maior problema reside no desenvolvimento dos personagens, que se mantêm estagnados e caricatos por grande parte do tempo. As habilidades sobrenaturais, que poderiam ter sido um diferencial, são exploradas superficialmente e o mistério em torno delas é abandonado com o tempo, enfraquecendo o enredo.

Os diálogos são demasiadamente longos e muitas vezes irrelevantes, com uma tentativa forçada de tornar os personagens “descolados”, o que prejudica a conexão emocional com eles. Além disso, a jogabilidade é repetitiva e limitada, não oferecendo a variedade ou profundidade necessária para manter o interesse ao longo da aventura. Problemas técnicos, como quedas de FPS e travamentos, também afetam a experiência.

Por outro lado, há momentos satisfatórios, como o desenvolvimento final dos personagens e a trilha sonora envolvente. Porém, infelizmente esses pontos positivos não são suficientes para compensar as falhas.

Dustborn foi desenvolvido pela Red Thread Games e publicado pela Spotlight by Quantic Dream. O título chega no dia 20 de agosto para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series X|S e PC, via Steam e Epic Games Store.

*Review elaborada no PlayStation 5 com código fornecido pela Spotlight by Quantic Dream.

Dustborn

+ R$ 129,99
5.3

História

5.0/10

Gameplay

5.0/10

Gráficos e Sons

6.0/10

Extras

5.0/10

Prós

  • A trilha sonora é boa e os trechos com o mini game de ritmo funcionam muito bem
  • O sistema de palavras como poder é uma proposta que deu certo em alguns segmentos da campanha
  • Legendas em PT-BR

Contras

  • O game tenta apresentar vários plots ao mesmo tempo e acaba não desenvolvendo nenhum deles de forma satisfatória
  • Os personagens são caricatos e quando eles são minimamente desenvolvidos é rushado ou forçado
  • Muitos problemas de performance no PS5
  • O gráfico é simples demais e conta com bastante serrilhado

Leandro Paiva

Um estudante de jornalismo e o primeiro estagiário do site. Degustador nato de coxinha e pizza fria com ketchup. Amante de RPG, principalmente aqueles em que é possível pescar em vez de fazer a missão principal. Piadista em tempo integral e um grande degustador de café. Defensor de Birds of Prey e da DC em geral nas horas vagas.