Moonstone Island | Review
Moonstone Island mistura vários gêneros – entre eles, simulador de vida, coleta de criaturas com batalhas de cartas e um mundo aberto de aventura com labirintos – e assim parece se inspirar em clássicos como Stardew Valley, Pokémon, Hearthstone e até The Legend of Zelda: A Link to the Past. O mais curioso é que, desta mistura, sai um jogo enorme, às vezes falho, mas definitivamente com alma e personalidades próprias.
Desenvolvido pelo Studio Supersoft e publicado pela Raw Fury, o título está disponível para PC, via Steam e Humble Bundle, desde 20 de setembro de 2023 e chega ao Nintendo Switch em 2024.
Rotulado de cozy game embora seja muito, mas muito mais que um, eu te conto nesta análise para o Pizza Fria o que Moonstone Island faz para merecer sua atenção.
Os alquimistas estão chegando
Em um arquipélago de uma centena de ilhas flutuantes de encanto e de certo mistério, geradas ao acaso a cada nova aventura, Moonstone Island se destaca como um cativante simulador de vida e “jogo de fazendinha”.
Os visuais inspiradíssimos nas animações do estúdio Ghibli faz jogadores mergulharem numa aventura para se descobrirem como alquimistas durante o primeiro ano vivendo fora da casa dos pais. Essa saída do ninho não é fácil, já que o mundo está repleto de desafios. Além de aprender e de melhorar suas habilidades como alquimista, você deve conhecer novas pessoas, se dedicar ao cultivo das plantas da estação assim como se dedicar à domesticação de espíritos selvagens.
Cada amanhecer em Moonstone Island ecoa a rotina peculiar de um agricultor virtual. Ao acordar, os primeiros passos fora de casa serão para regar suas plantações, seguindo uma sucessão de tarefas que exigem domínio da gestão de tempo, já que um dia passa em questão de poucos minutos e devemos voltar para a cama antes de desmaiar de cansaço. Clássico Stardew Valley.
Ainda bem que o título inova, pois, como alquimista, temos a habilidade de construir uma casa de bolso para ser desempacotada em qualquer ilha e a qualquer momento (se você gosta de Harry Potter, pense na cabana da família Wesley durante a Copa do Mundo de Quadribol). Além disso, podemos ter quantas casas quisermos nas diversas ilhas. Prático!
No entanto, não se trata de um mero simulador agrícola; a variada fauna de Moonstone Island faz da coleta de criaturas um curioso jogo de montar baralhos. As criaturas em questão são espíritos que vagam pelas ilhotas, cada qual com seus respectivos tipos específicos – veneno, fogo, água e por aí vai, incluindo um tipo especial encontrado baixo chuvas de estrelas. (Oi, Pokémon e Hearthstone!) Porém, cada espírito vem com seu conjunto específico de cartas e poderes. As cartas, por sua vez, ficam à nossa disposição para serem adicionadas ou removidas do baralho.
As estratégicas batalhas servem, claro, para ganhar experiência e deixar os espíritos cada vez mais fortes – e assim atualizar algumas das cartas por versões melhores. Batalhar serve também para domar mais e mais espíritos diferentes com ajuda das hortaliças plantadas e colhidas ou de poções feitas na mesa de alquimista. São mais de 60 espécies com ilustrações caprichadas e que esbanjam criatividade e cores para encontrar.
Algumas missões muito divertidas envolvem habitantes da ilha principal pedindo um “espírito de estimação” sem citar nomes, apenas sua descrição. Daí basta deduzir a criatura a partir dessa pequena charada e partir em busca do presente.
Aliás, meu aspecto favorito em Moonstone Island, ao compará-lo com Stardew Valley, é o quão viciante é combinar o trio de espíritos que te acompanha para montar um baralho versátil que permita, por sua vez, voar mais longe e para mais lugares pelos céus.
Temos, ao começar um combate, cargas de energia que serão consumidas de acordo com a carta escolhida. As mãos vêm somente com cartas relevantes para os espíritos na tela e desta forma vamos conhecendo aos poucos nosso time na busca por vantagens e janelas de oportunidade para causar mais dano e superar inimigos cada vez mais fortes.
O mapa de ilhas flutuantes é meticulosamente disposto ao acaso de cada novo arquivo salvo. Voar entre essas ilhas celestiais é crucial para desvendar os segredos dos templos e assim entender o que aconteceu com este mundo, o porquê de esta todo fragmentado. Muitas das ilhas têm labirintos subterrâneos que escondem guardiões e novos itens, como, por exemplo, pés de pato para que possamos entrar na água.
Apesar de não vermos a mesma complexidade dos templos de The Legend of Zelda, o recorrido cheio de espírito lembra muito os confrontos contra treinadores dos primeiros títulos Pokémon.
E é explorando as ilhas que encontramos as preciosas Moonstones (não, elas não vão evoluir nenhum espírito. Aliás, nenhum espírito evolui. 🥲). Estas pedras lunares, essenciais para o progresso, só são obtidas em grande quantidade fora da ilha principal, e somente uma em cada ilha por estação, assim desafiando cada explorador a buscar baús escondidos em masmorras e minas.
As Moonstones são o recurso mais valioso para construir artefatos, especialmente os mágicos – por isso tamanha raridade. Inspirado uma vez mais por Stardew Valley, a mecânica de construção e de artesanato necessária para avançar. Ela exige recolher todo tipo de material, incluindo metais encontrados nas minas, madeira do corte das árvores, pedras e muitos outros. As diversas combinações desses recursos geram bugigangas novas que visam (quase sempre) facilitar a vida do jogador, como construir um celeiro para abrigar mais espíritos ou construir uma fundição capaz de transformar pepitas em barras de ouro.
Com o tempo, para viajar de ilha em ilha, você repara sua vassoura voadora, que substitui o singelo e lento balão inflável. Mais adiante, outras chances de melhorar ainda mais o equipamento. Como é comum em outros jogos do gênero, ferramentas mais avançadas poupam a energia do personagem.
A fusão habilidosa entre exploração e combate de espíritos é a marca distintiva de Moonstone Island. Para isso, a coleta de plantas úteis é imprescindível e requer bastante exploração em biomas diversos, tornando cada descoberta um tesouro para aprimorar sua fazenda, alimentar e domar espíritos e presentear as pessoas do vilarejo.
Ainda assim, o cultivo de sementes e de plantas parece ser a parte menos desenvolvida do pacote, sem fugir muito das mecânicas existentes em outros jogos: em grade quadriculada, use a enxada para arar a terra e plantar mudas da estação certa; regue-as todos os dias até atingirem a maturidade. É isso.
Foi apenas durante a plantação e colheita que os controles demonstraram alguma limitação ou falta de polimento – longe de um desastre, mas confusos e truncados para quem já se acostumou com os de outros títulos.
Essa diversidade de atividades oferecidas mantém jogadores imersos em um ciclo viciante de exploração, combate e cultivo. Não há uma atividade obrigatória e você escolhe, claro, como vai passar os dias. Em algum momento será necessário diversificar para seguir com as missões, mas ainda assim dá pra manter o foco naquela que mais gostamos. A integração fluida desses elementos evita a sensação de perda de tempo ao se dedicar a uma única faceta do jogo, o que enriquece a experiência sem desconectá-la dos demais sistemas da vida como alquimista em Moonstone Island.
Em meio a tantas tarefas, ainda resta comentar que Moonstone Island requer socialização com os habitantes da Ilha das Selenitas por parte do jogador, logo, amizade é um item a mais na lista de “coisas para cultivar”. Isso inclui um clichê do gênero: os encontros românticos.
Contudo, em Moonstone Island cada personagem é um romance em potencial para o protagonista, que vale dizer é um personagem não binário. E é legal ver a ampla gama de opções de romance, que inclui um sistema de diálogos que exige conhecer a personalidade de cada um aos poucos para dar as respostas certas às perguntas dos pretendentes.
Tradução, linguagem neutra e pronomes
Por falar em diálogos, Moonstone Island está traduzido ao português do Brasil, mas tem um detalhe: com linguagem neutra, tentando ser fiel ao teor original do texto em inglês. Apesar de ser um esforço louvável e de ampliar o alcance e o bem-estar de mais jogadores, a questão dos pronomes em Moonstone Island esbarra em algumas incongruências.
Em primeiro lugar, Moonstone Island não oferece alternativas entre linguagem normativa e neutra. Seja em português, seja em inglês, todo o texto está unicamente em linguagem neutra.
Em seguida, em inglês, a tela de relacionamentos mostra os pronomes preferenciais de cada habitante da Ilha das Selenitas, tudo bem. Mas isso não afeta em nada qualquer aspecto de jogabilidade: as respostas que devemos dar, por exemplo, não envolvem acertar os pronomes. É apenas algo que está lá com nenhum propósito. Vale ressaltar que isso tampouco atrapalha em nada a jogabilidade.
Além disso, em inglês, a troca da terceira pessoa do singular é feita de maneira quase natural por they/them da terceira pessoa do plural, o que não acarreta mudança – seja ortográfica, seja de gênero – nas demais palavras da frase.
Contudo, o português exige mais adaptações para a linguagem neutra e, ao contrário do inglês, não tem uma normativa padronizada e amplamente difundida de seu uso. Por isso, o texto em português de Moonstone Island pode causar estranheza para quem não adota a linguagem neutra ou mesmo para quem não está acostumado com a linha escolhida pelo time de tradutores.
Acredito que a questão da linguagem seja uma discussão pertinente, já que, se por um lado, ter tradução afeta o público e sua compreensão do jogo, por outro, a forma como essa tradução é pensada e executada igualmente afeta a experiência de quem estiver jogando. No meu caso, eu reverti o idioma ao inglês porque a escrita me desconectou de um jogo que eu não só estava começando a entender, mas também gostando.
Vale a pena jogar Moonstone Island?
Apesar de suas belas melodias e cores deslumbrantes que compõem os visuais cheios de encanto de Moonstone Island, algumas imperfeições existem.
A aparente simplicidade do jogo parecia sufocar o computador um pouco (AMD Ryzen 7 5800H, RTX 3060 Ti com 32 GB de RAM). Além disso, os comandos nem sempre estavam corretamente mapeados para o controle, algo que melhorou com algumas atualizações. Ainda assim, alguns atalhos úteis seriam bem-vindos, tais quais trocar de linha no inventário ou simplificar a roda de ferramentas.
Comparações com outros títulos beiram o inevitável. Assumo também que essas falhas são pontuais diante do feito maior: um jogo gostoso de ser jogado, amplo, que executa com primor a maioria de suas peças. Nesta enorme fusão de gêneros e de conceitos, alguns são bem-feitos e acabam, sim, eclipsando aqueles menos desenvolvidos.
Mesmo assim, estamos diante de um caso raro de jogo que se inspira em outros e consegue triunfar ao desenvolver uma personalidade própria, digno de ser experimentado e julgado pelos seus méritos.
Vasto e divertido, Moonstone Island deixa seu ritmo a gosto do freguês, fazendo com que o jogador escolha o tempero favorito de sua jornada mágica. Essa liberdade molda o espírito de aventura antes de nos lançarmos para a ilha que flutua ao lado: vamos domar espíritos ou investigar aquela caverna? Quem sabe encontrar plantas exóticas?
Moonstone Island instiga a vontade de viver um pouco mais dentro desta fascinante alquimia de jogo indie bem-feitinho, que erra pouco pelos excessos e acerta muito no encantamento.
Moonstone Island já está disponível para PC e MacOS, via Steam e tem lançamento previsto para 2024 no Nintendo Switch.
*Review elaborada em um PC equipado com uma GeForce RTX, com código fornecido pela Raw Fury.
Moonstone Island
R$ 59,99Prós
- Se destaca por qualidade e méritos próprios
- Amálgama de diferentes gêneros funciona
- Captura de espíritos e batalha de cartas
- Ótimos visuais e trilha influenciados pelo estúdio Ghibli
- Traduzido ao português do Brasil
Contras
- Controles de algumas mecânicas
- A diversidade -pode- desnortear jogadores dos objetivos centrais
- Falta uma pitada de otimização