SILENT HILL f | Review
Uma das maiores séries de survival horror está de volta! SILENT HILL f é a nova entrada da série depois de anos de hiato e muita expectativa. O jogo já está disponível para PlayStation 5, Xbox Series X|S, PC, via Steam, Epic Games Store e Microsoft Store. Agora, após o lançamento, surgem diversas questões: o gênero está oficialmente de volta? A série volta à boa forma? A aposta é certeira dessa vez? Essa resposta e muitas outras vamos desvendar aqui, em mais um análise do Pizza Fria!
Enredo: não se nasce Silent Hill… torna-se!
Depois de uma década de pausa, a série Silent Hill está de volta com uma sequência de novos títulos, dentre eles o já lançado Silent Hill: The Short Message e, agora, o novo jogo, intitulado SILENT HILL f. Assim como nos últimos jogos, a história não se passa na cidade que dá nome à franquia, mas se desloca para outro espaço carregado de símbolos e inquietações: a cidade fictícia de Ebisugaoka, no Japão, em um recorte do país nos anos 1960 ainda sob a sombra do pós-guerra, e que traz à narrativa uma rigidez social e uma paleta emocional próprias.
Roteirizado por Ryukishi07 e produzido pela NeoBards Entertainment, a escolha de levar o horror para um novo lugar, porém, não diminui a herança temática da série. Isso porque, todo lugar pode ser uma extensão de Silent Hill, pois a cidade original sempre foi menos um espaço geográfico e mais um dispositivo moral e psicológico; um espelho que devolve para os personagens as culpas, os medos e as memórias que eles tentam enterrar. Dessa forma, em SILENT HILL f, Ebisugaoka funciona exatamente dessa maneira, como uma paisagem aparentemente local que, por sua composição de tradições, humores e silêncios, revela que o horror se instala onde as feridas sociais não foram tratadas.

A série Silent Hill surgiu como uma história americana contada por um ponto de vista japonês e, agora, a história parece se inverter; a trama, tipicamente japonesa, traz elementos da filosofia ocidental, especificamente europeia. Esse movimento acaba por evocar a noção de Simone de Beauvoir sobre a formação da identidade, como a sua célebre citação, “Não se nasce mulher… torna-se mulher”: a cidade não “faz nada” sozinha, mas pressiona, molda e rotula, e todo o mundo, quando visto por esse prisma, pode assumir o papel de Silent Hill: um lugar onde o particular se torna público e, o íntimo, se torna punição.
É nesse espelho distorcido que SILENT HILL f se insere, explorando o medo e a metamorfose como experiências profundamente femininas; o corpo, o crescimento, a culpa e o olhar social que definem o que se “deve” ser, transformando a dor da maturidade em um horror tangível, quase orgânico, que salta da ficção e se torna assustadoramente real. No centro desse espelho estão os personagens (muito bem escritos, por sinal), de forma a encarnar papéis e tensões da juventude sem, entretanto, serem reduzidas aos estereótipos. Conheça um pouco mais de cada um deles:

Hinako Shimizu é a protagonista, uma estudante marcada pela transição entre a infância e a exigência adulta, alguém cuja timidez e as dores internas a colocam num limiar em que o corpo e as vontades já não são totalmente seus. Ou, na verdade, nunca foram. Shu Iwai, amigo de infância de Hinako, representa uma alternativa moral, já que é mais progressista para a época e é capaz de enxergar a amizade além dos rótulos tradicionais, personificando a tensão entre o que se sente e o que a sociedade aceita.
Sakuko Igarashi aproxima o jogo do sagrado e do ritual, pois é filha de quem cuida de um santuário local, e traz à trama o peso das tradições e das práticas que podem ser tanto consolo quanto armadilha. Rinko Nishida, por sua vez, é a amiga atenta às regras e ao burburinho social, aquela que lê e reproduz as normas do grupo; sua curiosidade sobre relações e rumores realça como a pressão coletiva age nas pequenas interações cotidianas. Essas características se juntam na forma como SILENT HILL f traz os personagens, não só como agentes da ação, mas como vetores que tornam palpáveis as leituras sobre gênero, vergonha e vigilância social.

É a partir daí que a trama de SILENT HILL f se desenvolve de forma muito competente, com os mesmos mistérios e desafios que retomam os dias mais gloriosos da série Silent Hill, que, aqui, parece estar de volta à sua ótima forma.
A história é contada não só por meio de cutscenes, como acontece naturalmente na geração atual, mas também recorre aos clássicos files e comentários da personagem ao explorar vasculhar os cenários. Essa combinação de recursos narrativos cria um ritmo muito particular da série, que jogadores veteranos vão perceber sem esforço, onde as cenas cinemáticas dão peso emocional e clareza ao enredo, enquanto os documentos e observações íntimas dão espaço para camadas de subjetividade, aproximando o jogador da consciência fragmentada e fragilizada da protagonista.
É uma escolha que respeita a tradição da série, e também conversa com os temas centrais de SILENT HILL f, da juventude e a verdade que nunca aparece de uma vez, mas em pedaços, como se descobrir fosse também se transformar. Dessa forma, Hinako e o jogador amadurecem juntos.
Gameplay
O que diferencia um jogo de terror para um survival horror? Um consenso que se pode considerar comum é o de que, como um survival horror, o título deve permitir que o jogador faça exatamente o que o nome do gênero sugere: sobreviva e consiga se defender por conta própria dos perigos que o cercam. E SILENT HILL f faz isso, de forma muito natural, oferecendo armas e recursos para combate. Mas, é claro, não espere que uma jovem de 15 anos empunhe uma arma de fogo contra seus oponentes; afinal, Ebisugaoka não está na América, apesar da influência quase onipresente do país na cultura japonesa dos anos 60 (e que persiste até os dias atuais, diga-se de passagem).
Assim como todos os elementos em SILENT HILL f, o combate também conta uma parte da história: Hinako não é uma adulta, tampouco alguma profissional treinada, então a sua sobrevivência começa com um armamento leve, que progride e melhora à medida em que a protagonista enfrenta os seus próprios medos e decide atacá-los de frente.

Elementos de RPG aparecem nos menus de melhoria, com os Omamori que aprimoram a personagem imediatamente após equipar e as Emas, que aumentam as capacidades da personagem permanentemente. Ambos são encontrados durante a exploração e podem ajudar muito o jogador, especialmente nas dificuldades mais altas do jogo. Ainda assim, o sistema de aprimoramentos não foge da cultura japonesa e adiciona elementos do sincretismo religioso muito presentes no país, com Hinako e o jogador pedindo aos deuses por proteção, vida e… sorte.
Sim, sorte. Já que, para a surpresa de quase ninguém, SILENT HILL f também adiciona elementos de gacha na gamelpay, sorteando Omamoris aleatórios por quantias que aumentam significativamente após o sorteio anterior e pode se tornar muito frustrante muito rápido. A adição da “aleatoriedade premium” é provavelmente o elo mais fraco na narrativa construída até aqui pelo game design, e é um lembrete amargo de que, apesar de todos os pontos positivos, ainda estamos em um jogo dos tempos modernos da indústria dos jogos. Acredito, inclusive, que nós ainda tivemos muita sorte em ser apenas uma moeda in-game adquirida durante o jogo, e não a infame compra com dinheiro real. Talvez os Omamoris realmente tenham nos protegidos dessa.

A exploração pelos cenários agora realiza o sonho longínquo da série em permitir uma movimentação livre do jogador, que outrora era limitada pela tecnologia das gerações anteriores. Explorar cidade adentro, ou não, ficará a seu critério. Conforme avança, Hinako leva consigo um diário, onde o progresso fica registrado de acordo com o ponto de vista da protagonista. Dessa forma, a jovem não se confina em ser apenas um avatar que ganha personalidade durante as cutscenes; ela interage com o cenário e reflete sobre o ambiente ao seu redor.
Além de, claro, os monstros. Assinados aqui por Kera, outra marca registrada da série e do gênero survival horror que se perdeu com o tempo (e agora volta com tudo), os inimigos são exatamente o que se espera em SILENT HILL f: grotescos, viscerais e aterrorizantes. O título abre mão dos jumpscares baratos (na maior parte do tempo) e aposta no medo do desconhecido, do que nos espera na próxima esquina.

Aqui, como tudo em SILENT HILL f, o desconhecido está muito mais perto da vida que Hinako conhece do que ela gostaria de admitir. Os monstros da adolescência ganham vida e tornam tudo mais difícil, mesmo nas dificuldades mais simples: prepare-se para combates desafiantes, com uma pitada de soulslike, mas que deixam o gostinho doce da vitória na boca sempre que enfrentados. Mas, se preferir, a grande maioria dos combates em SILENT HILL f é opcional – um prato cheio para quem gosta de preservar recursos.
Por último, mas, definitivamente, não menos importante, os puzzles de SILENT HILL f resgatam com maestria a essência do survival horror, deixando o jogador sempre alerta e com a sensação constante de estar preso em um ambiente que exige raciocínio, paciência e observação. As dificuldades mais altas reforçam ainda mais essa experiência, transformando cada parte do ambiente em um grande quebra-cabeça. O jogador é obrigado a prestar atenção a cada detalhe do cenário, seja um bilhete esquecido, um ruído distante ou uma sequência a ser memorizada, já que qualquer distração pode custar caro.
Gráficos e performance
Cenários bem detalhados que dão liberdade de exploração ao jogador, personagens fotorrealistas e inimigos que parecem que irão sair da tela a qualquer momento: esses são os gráficos impressionantes de SILENT HILL f, envolvidos pelo storytelling produzido à perfeição em cenas dignas dos maiores clássicos do cinema japonês. Mas ainda mais impressionante foi a façanha que a NeoBards Entertainment conseguiu, compactando todo esse poder gráfico e de processamento em um arquivo de 47GB.
Desenvolvido na Unreal Engine 5, esse é um dos poucos títulos que podemos considerar sendo verdadeiramente otimizados, levando em conta o histórico recente de jogos lançados usando o motor gráfico. Uma das novidades é o uso do Lumen para alcançar uma fidelidade de iluminação crível e muito impressionante. O jogo, que já é surpreendente, se transforma com a opção ativada, conferindo profundidade na iluminação e especialmente nas sombras, acentuando a atmosfera de terror que cerca Ebisugaoka. No geral, PCs considerados de média performance não devem ter problemas em aproveitar SILENT HILL f, que conta com uma boa quantidade de opções para customizar a performance.
A estrela principal, inclusive, é o DLSS (já que as opções de antisserrilhado tradicionais estão indisponíveis em 4K, apenas em resoluções 1080p para baixo), que na sua versão mais recente faz um trabalho fantástico de suavizar os modelos de forma muito natural, e adicionando alguns FPS a mais para a fluidez do jogo graças à tecnologia de upscaling. As outras opções como FSR e TSR, por sua vez, fazem um bom trabalho, mas em troca de comprometer significativamente a performance do jogo, além do consumo maior dos recursos de placa de vídeo e processador.
Extras
Não é apenas durante a campanha principal que podemos encontrar itens especiais e desbloqueáveis – pelo contrário, o New Game+ de SILENT HILL f adiciona muitas camadas de fator replay com, inclusive, o retorno dos famosos finais variados que também são marca registrada da série, além de carregar o inventário completo da campanha jogada anteriormente. Novas roupas também são desbloqueáveis, e não se assuste com a diferença do jogo logo nos primeiros momentos do NG+.
Outro ponto que trabalhado de forma majestosa em SILENT HILL f foi, sem sombra de dúvidas, a tradução do jogo para o nosso português brasileiro. Localizar, contextualizar e adaptar uma história de época para um idioma completamente diferente, como é o caso do japonês para o português, sem sombra de dúvidas não é uma tarefa fácil e requer um conhecimento histórico e, principalmente, sensibilidade ímpares para trazer ao nosso idioma todas as nuances, dores e questionamentos do texto original.
Apesar de não haver dublagem em português, todo o restante do jogo como legendas, documentos e menus estão majestosamente traduzidos. Deixo como sugestão ouvir as performances ímpares no idioma original, o japonês, enquanto acompanha o trabalho primoroso da tradução para português nas legendas. Esse trabalho reforça ainda mais o poder e a competência dos nossos tradutores em ampliar o aceso a obras tão sensíveis quanto SILENT HILL f.
Vale a pena jogar SILENT HILL f?
Se você é capaz de enxergar um jogo com sensibilidade e humanidade, sim. SILENT HILL f não é apenas mais um capítulo do retorno triunfante de uma das maiores séries de survival horror, mas também uma das experiências mais sensíveis e perturbadoras que o gênero já entregou. É um jogo que convida o jogador a sentir e não apenas a temer, oferecendo um retrato doloroso e honesto sobre o que significa crescer sob o peso das expectativas sociais, especialmente quando essas expectativas recaem sobre o corpo e a existência feminina.
Mais do que monstros e sustos, o horror aqui nasce daquilo que não se diz, das pressões que moldam e das culpas que se herdam. Hinako, e todas as mulheres que a cercam, carregam feridas que não pertencem só a elas, mas são ecos de um sofrimento coletivo, de dores que atravessam gerações e continuam se reinventando sob novas formas. Nesse sentido, SILENT HILL f é um jogo sobre empatia: ao acompanhar a protagonista, o jogador é levado a compreender as cicatrizes que o tempo não apaga, as violências silenciosas que ainda persistem e os fantasmas que a sociedade insiste em deixar à sombra.
Ebisugaoka é muito mais do que um cenário. Como abordado anteriormente, é um espelho. É Silent Hill em essência e existência. O que acontece ali poderia, e ainda acontece, em qualquer lugar, porque os monstros que habitam suas ruas não são exclusivos do Japão dos anos 60, eles continuam rondando o presente, perseguindo muitas mulheres que vivem cercadas por olhares, julgamentos e expectativas. Esse é o verdadeiro horror de sobrevivência.
SILENT HILL f é, portanto, um título obrigatório a todos os amantes do verdadeiro survival horror, aos jogadores que ansiavam por uma nova história repleta de nuances e a todos os que desejam compreender o que o horror realmente representa quando nasce das feridas humanas. E já entrou no panteão dos grandes títulos do gênero, ao lado de clássicos do horror (e da série) como Silent Hill 2 e Silent Hill 3.
*Review elaborada em um PC equipado com uma GeForce RTX, com código fornecido pela Konami e NVIDIA.


