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Raccoo Venture | Review

Raccoo Venture traz um guaxinim se aventurando por ares nostálgicos dos jogos de plataforma 3D dos anos 1990. Com a premissa de salvar o mundo ao recolher todas as peças de um tabuleiro de xadrez, o jogo mistura ideias fundamentais de collectathons clássicos, no estilo de Banjo Kazooie e Crash Bandicoot, com algumas releituras provenientes do renascimento do gênero, como vistas em Super Mario 3D World e New Super Lucky’s Tale.

O título está nas lojas digitais de PC, via Steam, Nintendo Switch, Xbox One, Xbox Series X|S, PlayStation 4 e PlayStation 5. Desenvolvido por Diego Ras, este indie brasileiro deixa o acesso antecipado de dois anos para chegar a computadores e consoles no próximo 14 de dezembro. Quer saber o que esperar do jogo e se Raccoo Venture vale a pena? Nesta análise para o Pizza Fria, deixo minhas impressões da jogatina de Raccoo Venture no Nintendo Switch com um código cedido pela editora QUByte Interactive.

Tempos mais simples, tempos mais rústicos

Mesmo sem tê-las vivenciado em plenitude (afinal, nasci em 1985), posso afirmar com tranquilidade que as eras 8 e 16 bits, dos anos 1980 até meados dos 1990, foram dominadas em popularidade pelos jogos de plataforma.Os personagens corriam da esquerda para a direita da tela enquanto saltavam em inimigos, recolhiam superpoderes e vidas extras, tudo em busca do final da fase. Beat’em ups também contam!

Bem, pelo menos até a chegada dos primeiros grandes jogos de plataforma tridimensionais. Foi no Nintendo 64 e no PlayStation que os jogos de plataformas colocaram ênfase em recolher colecionáveis como estrelas, uma centena de notas musicais ou até mesmo ovos de dragão –não que moedas e coisas do tipo inexistissem antes, mas, agora, era obrigatório recolhê-las para abrir novas áreas e prosseguir. Raccoo Venture sabe disso e bebe nessa fonte.

Raccoo Venture disponível para Steam, Nintendo Switch, PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One e Xbox Series S|X
Raccoo Venture, o vizinho “xovem” de Banjo e Kazooie que também tem um Nintendo 64. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

Altamente referencial às plataformas clássicas das três dimensões (tem até um Nintendo 64 na casa do guaxinim!), Raccoo Venture conta uma história simples: em tempos remotos, os Guardiões de Verta (imagino que Verta seja o universo em questão) uniram seus poderes para criar uma relíquia mágica capaz de manter equilíbrio entre a ordem e o caos.

Para manter o equilíbrio, precisaram dividir a tal relíquia em partes iguais. Desta forma, criaram peças de xadrez, divididas por igual entre as cores branca e preta e escondidas pela terra chamada Aurora, onde surgiu vida. Como de costume no gênero, nem todos estão felizes com essa harmonia.

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Os Tatus Tatuados parecem ter saído diretamente de um jogo da Rare. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

Aí entram os Tatus Tatuados, uma gangue versão tatu que em muito lembra o desenho com ratos motoqueiros Esquadrão Marte. Só que maus, óbvio. São eles quem roubam as peças e o tabuleiro de Xadrez Venture da casa do nosso protagonista, Raccoo Venture (!), o último herdeiro dos guardiões do poder e responsável por proteger a relíquia.

Já dá pra imaginar que os colecionáveis deste jogo são as peças de xadrez, certo? Considere também que as casas pretas e brancas do tabuleiro se perderam no roubo dos Tatus Tatuados.

Uma vez que um tabuleiro de xadrez tem 64 casas e 32 peças, Raccoo Venture está cheio de bifurcações, passagens secretas, caminhos invisíveis, desafios de portas e grades (alguns são cronometrados, outros são quebra-cabeças). Contudo, e apesar de ter o jogo de tabuleiro como tema, enxadrismo é a última coisa que vamos fazer.

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Tá vendo aqueles botões lá atrás? Com manha, mova as plataformas para baixar as grades.
(Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

Correr, saltar, recolher

Como seria de se esperar, a ênfase de um jogo de plataforma 3D está em navegar por suas tortuosas fases na tentativa de alcançar habilidosamente os muito requisitados colecionáveis. Assim que começa, Raccoo Venture chama a atenção de quem sabe que se trata de uma homenagem.

As primeiras fases são claras e verdejantes com o tema de floresta. Elas têm riachos azuis, caminhos amplos de grama, rampas e blocos de terra, os primeiros inimigos são escassos e não apresentam resistência. Bem como Bob-omb’s Battlefield, a Montanha Espiral ou a Terra dos Artesãos.

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Esmague inimigos (os mais simples) e recolha moedas pelo caminho. Ou pelos caminhos. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

E é no level design que o criador Diego Ras triunfa: as fases são interessantes, cheias de saídas e com muitos desafios bem-feitos, principalmente, por exemplo, aqueles telegrafados no começo das fases ao mostrar uma engrenagem sobressalente. Esse tipo de deixa já diz ao jogador algo como, “Ei! Tem algo aqui, agora é sua vez de descobrir como chegar”. E, de repente, uns inimigos depois e telas mais tarde, você faz Raccoo pisar num botão temporizado e já imagina o retorno.

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Coloquei este print de Raccoo Venture porque você não sabe o custo que foi fazer um desafio dentro de outro desafio! (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

Aliás, os controles de Raccoo Venture são extremamente básicos: a pressão na alavanca analógica dita a velocidade do guaxinim, que salta com um botão e dá a famosa bundada no chão com um segundo botão. Este último também serve para segurar e lançar as frutas, os cogumelos e os legumes encontrados pelo chão.

Mas não se desfaça tão rápido! Sabe esse desafio que citei acima? Em certas ocasiões, alguns caldeirões mágicos pedem um ingrediente de uma cor. Cabe ao jogador começar a contagem, encontrar um ingrediente pelo caminho e chegar ao caldeirão intacto para subir.

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“Le Bundada”, o clássico e mais eficaz golpe de qualquer jogo 3D de plataforma está em Raccoo Venture. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

É, parece que a dificuldade dá uma escalada –ainda mais quando há um desafio dentro do desafio e há poucos pontos de checagem. Ah! Quanto aos cogumelos, eles são explosivos e quebram blocos de terra, assim como derrotam inimigos que não são afetados pela bundada do guaxinim magrelo.

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Atire cogumelos explosivos no chefe sem esquecer que ele os atira também! (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

O visual, em especial dos inimigos, é outro ponto forte que mostra o trabalho de amor aos jogos do passado: os tatus (tatuados, eheh) vêm em diferentes cores e tamanhos.

Para derrotar os mais básicos dos inimigos, basta saltar e dar uma bundada. Ok. Mas, como um bom jogo de plataforma 3D, os inimigos mudam e exigem novas soluções. Alguns contam com carapaças espinhosas, outros se abaixam para se proteger.  Os enormes então… carregam porretes e escudos ou, se forem chefes, jogam os cogumelos explosivos como se fossem granadas.

(Esses tatus lembram muito os castores de Donkey Kong Country com o chefe tatu de Donkey Kong 64)

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Entre os colecionáveis de Raccoo Venture, temos páginas de diário, peças de xadrez, casas do tabuleiro e alguns itens de habilidade. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

Acontece que a dificuldade realmente escala repentinamente e, com controles tão básicos, a jogabilidade fica muitas vezes comprometida. Com o tempo, o jogador vai sentir falta de clichês do estilo como o salto duplo ou o rabo helicóptero. Para derrotar inimigos, as únicas opções viáveis são a bundada e os cogumelos – que, por sua vez, também tem problemas de colisão e de resposta dos comandos.

O desempenho, pelo menos no Switch, complica ainda mais as coisas ao não ser dos melhores. Não posso atribui-lo à falta de otimização ou ao motor gráfico Unity, no qual o jogo está feito. Certamente não é uma limitação do hardware da Nintendo que roda com perfeição jogos como A Hat In Time ou New Super Lucky’s Tale – para ficar apenas com indies.

E, sim, há a questão orçamentária e do tamanho de equipe. Por isso, vejo o reforço dos pontos positivos como algo essencial: Raccoo Venture é carismático, tem fases criativas (ainda que oscilem demais na dificuldade) com muitos segredos e design sólido de personagens que parecem ter saído de um título dos áureos tempos da Rare, especialmente os vilões.

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Chegar até esse baú com essa chave não foi mole, não. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

Com o trauma do desempenho (similar a um jogo pesado, renderizado com lentidão), tive ainda a frustração dos pontos de checagem (ou “check points”, pra quem prefere). Eles estão posicionados por aí, normal, mas temos a liberdade de rondar setores em ordens diferentes e, frequentemente, este progresso não é salvo.

Refazer trechos seguidos de mortes bobas para, novamente, refazer trechos seguidos de mortes bobas é uma constante agravada quando o carregamento demora mais que o tempo de permanência no jogo. Ou quando Raccoo Venture já recoloca Raccoo em queda livre para a morte antes mesmo de termos o controle. 🥲

Estes problemas não são pequenos nem mesmo raros. E infelizmente são mais que detalhes, já que o Raccoo Venture não é trivial. Se, por um lado, a movimentação e os controles deveriam ser mais polidos, principalmente ao considerar a dificuldade progressiva, por outro, mantenho firme o ponto que as fases também ficam mais criativas com o passar do tempo. E isto é uma característica muito forte. Imagine New Super Lucky’s Tale, mas com desafios ainda mais brabos e cenários mais ramificados.

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Roupas, muitas delas. Assim como Super Lucky, Raccoo tem um armário de dar inveja. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

Modernidades, amenidades e tecnicalidades

Ainda que Raccoo Venture tenha sua cota de desencorajamento, é fácil perceber como foi feito com carinho. Logo, os pontos fortes do título estimulam jogadores a perseverar. Quais pontos fortes são esses? Já comentei que as fases trazem a criatividade das fontes de inspiração. E, além disso, está o carisma dos personagens.

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O mapa-múndi de Racco Venture tem toda a informação que o jogador precisa sobre peças faltantes. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

A essência retrô da jogabilidade, contudo, não nega a influência de algumas modernidades, como encontrar as diversas roupas para Raccoo (mais uma vez, Super Lucky) por quase 20 fases e momentos em que o jogo muda. Revisitar as fases é fácil, uma vez que todo o mundo é conectado por um mapa central. Os colecionáveis estão devidamente catalogados e sempre podemos consultar a casa de Raccoo ou as fases para saber o que ficou faltando.

O principal desses momentos de mudança na jogabilidade são as seções com o pombo Pru: alternando entre Pru e Raccoo, cada um em um plano diferente, devemos abrir a passagem sem sabotar o coleguinha. São tarefas que parecem simples, como “apertar um botão para elevar uma plataforma”, mas viram desafios legítimos quando percebemos que para toda ação… uma reação, pois o botão também liberou a passagem para um inimigo.

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O amigo de Raccoo é Pru, o pombo, que soma uma boa variedade ao estilo das fases. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

Vale dizer que Pru, o pombo, também tem controles beeeeem diferentes do guaxinim. Andando, ele é muito lento. Tenebrosamente lento. Ainda bem que ele sabe voar. Err… Mais ou menos… Apertamos um botão para alçar voo e… uma reviravolta, surge uma barra de vigor. Ou seja, Pru tem o controle de Flappy Birds num espaço tridimensional e por energia limitada! Muitíssimo limitada!

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Eu não confirmo ou nego a informação de ter tentado liberar conquista ao jogar o pombo na fogueira. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

Para mim, esses momentos foram os mais interessantes no geral, pois simulam uma cooperação e traz à mesa um combinado de comandos diferentes para alcançar um objetivo. Com um pouco de experiência e erro, vejo muito essa fórmula sendo amplificada (aliás, não seria incomum, já que outros tantos clássicos contam com duos de protagonistas e suas respectivas habilidades).

Outros momentos ficam mais secundários, como os minigames de tiro ao alvo com o jacaré (que lembra MUITO a primeira visita com arco e flecha The Legend of Zelda: Ocarina of Time) e a loteria suspeita do Astuto Penacio, um personagem urubuzesco e malandro muito bem trabalhado, divertido de ver.

E, pera! Urubu, jeito malandro, jogo do bicho… Não foi mera coincidência, afinal, é um jogo brasileiro. Por isso, vale ressaltar que todo o texto está devidamente escrito em português do Brasil com gírias e expressões que deixam um riso no rosto (apesar de um punhado de erros ortográficos passáveis).

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A raspadinha do Astuto Penacio é de boa. Confia. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

Por fim, talvez não faça a sua cabeça, mas a trilha sonora também me chamou a atenção. É composta e executada com primor. Talvez não revolucione o mundo, mas, naquela pegada altamente referencial da qual falei em vários momentos, todo jogador que cresceu com ao menos um dos jogos clássicos que serviu de inspiração vai se sentir transportado.

É difícil de explicar sem cair no clichê de “os temas pertencem aos ambientes e personagens”, mas pertencem mesmo. Eu não conhecia as melodias, e, ainda assim, elas soavam algo familiar, em harmonia com aquilo que Raccoo Venture propõe resgatar.

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Zé Caré! AAAAHHH! O minigame dele oferece prêmios como melhorar habilidades.
(Imagem: Reprodução, Nintendo Switch)

Vale a pena jogar Raccoo Venture?

Possivelmente, este é o jogo que mais me deu trabalho para responder se vale a pena jogar ou não. Eu só tomei conhecimento de Raccoo Venture pelas publicações nas redes sociais de muitas pessoas depois da BGS 2023. Como era de se esperar, o primeiro impacto foram os visuais e achei legal de cara. Além disso, tenho um coração mole para jogos no estilo New Super Lucky’s Tale ou Super Mario 3D World porque gritam “diversão e leveza” (são ótimos para momentos anti-Souls ou Hollow Knight).

Os controles de Raccoo e a variação repentina da dificuldade nas fases romperam parte da minha imersão com o jogo como raramente acontece. Engrenagens essenciais do gênero que estão um pouco desalinhadas. Ainda assim, o jogo acerta em tantos momentos, que valeu a pena, sim, continuar e me sentir feliz ao encontrar segredos e superar desafios.

E, ao reconhecer que um singelo indie brasileiro inspirado nos clássicos do gênero virou um jogo próprio, eu acredito que é justo dar uma chance a Raccoo Venture. Embora tenha inconsistências, o título tem um carisma brasileiríssimo e honra o material no qual se inspira. Quem sabe não veremos os problemas de desempenho corrigidos em breve?

Ainda sobre os clássicos, fontes de inspiração, talvez seja um enorme exagero dizer “sucessor espiritual” (que diabos significa isso, afinal?), porém, Raccoo Ventur é uma bela e sincera homenagem.

Para fãs de collectathons/plataformas 3D (incluindo, mas não restritos a A Hat in Time, Yooka-Layle, New Super Lucky’s Tale) que gostariam de revisitar o estilo, Raccoo Venture deve entrar em suas listas. O custo-benefício de um jogo barato e o apoio a desenvolvedores brasileiros  só tendem a oferecer uma continuação ainda melhor.

*Review elaborada em um Nintendo Switch, com código fornecido pela QUbyte Interactive.

Raccoo Venture

R$ 49,99
7.4

Diversão

8.5/10

Visuais

7.0/10

Sons

7.0/10

Jogabilidade

6.0/10

Conteúdo

8.5/10

Prós

  • Fases repletas de segredos
  • Homenagem aos clássicos 3D
  • Visuais e sons caprichados para um indie feito por uma pessoa
  • Inimigos diferentes exigem estratégias diferentes
  • Jogabilidade variada com bons enigmas

Contras

  • Controles precisam de refinamento
  • Desempenho lento
  • Variações brutas na dificuldade

Carlos Maestre

Jornalista que passou a pesquisar acessibilidade digital pela constante necessidade de inverter o eixo Y - desde GoldenEye 007. Cresceu com a Nintendo e fã da (atual) Microsoft, quer a velha Rare de volta. Além de achar divertido caçar conquistas, sofrerá uma intervenção a qualquer instante por culpa de Stardew Valley.