Martha is Dead | Review
Martha is Dead é um game de horror psicológico. O título é o segundo projeto do estúdio LKA, desenvolvedora responsável pelo impactante The Town of Light. No primeiro game lançado pela empresa já ficou claro que eles tem talento em representar aterrorizantemente eventos reais ou sentimentos pesados que cada um de nós podemos sentir em nossas vidas.
Esta é exatamente a proposta de Martha is Dead, entregar aos jogadores uma experiência pesada e angustiante sobre superação do luto, problemas parentais e a vivência em uma época na qual o mundo e a sociedade estão em guerra. Além disso, o game tem a promessa de ir fundo no psicológico da protagonista e cabe ao jogador enfrentar essa jornada de angústia e terror.
Martha is Dead recentemente se tornou um assunto comentado, pois, a PlayStation decidiu que uma parte do game deveria ser modificada para PS4 e PS5. Isto logo levantou uma grande discussão sobre a atitude da empresa, entretanto, independe de lados certos ou errados, fato é que isto ajudou a chamar atenção para o novo título. Assim sendo, será que temos aqui uma obra tão macabra e aterrorizante, que foi preciso ser modificada para preservar a sanidade dos jogadores?
A resposta é sim e não. Particularmente, eu não achei nada tão pesado assim, mas como sou fã do gênero slasher em filmes, estou acostumado a ver cenas pesadas de violência representadas em obras áudios visuais. Entretanto, preciso deixar esse aviso logo no início. Martha is Dead é um jogo extremante pesado, tanto em questão de narrativa como gráfica. O game apresenta fortes cenas de violência, auto-mutilação e até mesmo suicídio. Portanto, esteja avisado caro leitor.
A aterrorizante história da Dama do Lago
Martha is Dead começa com a protagonista, Giulia, ainda pequena sendo cuidada pela sua babá. Ela está prestes a dormir e pede para que a sua cuidadora conte uma história. Como todos sabem, o melhor tipo de conto para se apresentar as crianças é terror (ironia), assim sendo, ela começa a lhe contar a história da Dama do Lago.
Neste conto, aprendemos que a criatura mística vive nas redondezas da casa da protagonista e que ela costuma atacar moças apaixonadas. Embora seja apenas uma lenda, fica evidente que existe mais nesta história. Isto já fica claro pela forma extremamente macabra que o jogo apresenta este conto, sendo que nas paginas do livro temos imagens macabras que já transmitem uma atmosfera de horror.
Além disso, outro elemento que é muito usado logo no início são as transições de câmera. Enquanto um fato aterrorizante é narrado, em diversas momentos do game, teremos um foco em elementos do cenário, como bonecas, quadros, fotografias e até mesmo marionetes. O título usa uma peça de marionetes para contar acontecimentos do passado de Giulia e Martha, sua irmã gêmea. Estes segmentos são feitos de uma maneira excelente, substituindo os já batidos flashbacks, instrumento narrativo este que na maioria das vezes interrompe o ritmo do storytelling.
A morte de Martha
Após esta introdução ao conto da Dama do Lago, a história salta para o presente, o ano de 1944. O título se passa no ápice da Segunda Guerra Mundial, sendo que o jogo representa de diversas formas as consequências deste conflito tanto na ambientação como em um jornal local, item este que temos acesso durante os capítulos do game. Assim assumimos o controle de Giulia, enquanto ela fotografa um local próximo do lago. Entretanto, ela avista um corpo flutuando na água.
Portanto, a protagonista decide correr até o local e resgatar o corpo. Chegando lá, é revelado que, na verdade, a moça sem vida é sua irmã gêmea, Martha. Após isto, temos o primeiro plot twist do título e a narrativa começa pra valer, sendo que o objetivo principal de Giulia é descobrir o que houve com Martha, enquanto lida com as consequências psicológicas deste acontecimento e a reação das pessoas ao seu redor.
O que realmente é real?
Um dos aspectos mais interessantes em Martha is Dead é o questionamento da realidade em que Giulia se encontra. Pois em muitos momentos da narrativa, principalmente os que envolvem muita violência gráfica, não fica claro quais acontecimentos são reais ou se estão apenas na mente da protagonista.
Este elemento torna a narrativa intrigante e, em simultâneo, aterrorizante, pois o jogo sabe usar está artimanha de uma maneira excelente em alguns momentos. Temos alguns segmentos na narrativa, no qual pensamos que um acontecimento violento e chocante está apenas na mente de Giulia, quando, na verdade, não é esse o caso, e o choque de realidade que tanto dela como o nosso quando isto é revelado consegue transmitir uma sensação única de horror.
Entretanto, este elemento subjetivo em Martha is Dead não funciona em todos os casos. Principalmente no final do título, a história acaba sendo rápida demais e deixando várias pontas soltas na narrativa. Embora possa ser dito que isto é proposital, para que o jogador interprete os acontecimentos da maneira que achar melhor, a forma que o game desenvolve certas linhas na história acabam não sendo perfeitas. Pois, para que um storytelling subjetivo funcione, é necessário que a obra forneça peças suficientes para o player montar as peças e chegar a uma interpretação, seja ela a real ou não.
Um terror gráfico e psicológico
Martha is Dead faz um excelente trabalho ao adentrar profundamente na mente da protagonista. Isto é feito através de uma narração da personagem que ocorre sempre que interagimos com objetos pelo cenário e até mesmo durante alguns diálogos ocasionais, sendo este um elemento pouco presente na história. Portanto, na maior parte da jornada, temos presente apenas Giulia e seus sombrios pensamentos, situação está que levará o jogador a enfrentar os traumas da protagonista. Este elemento é representado por alucinações insanas e macabras que ela terá que lidar ao decorrer do game, sendo que os jogadores são levados ao ápice da loucura de Giulia, até um momento que não fica mais claro o que é real.
Além disso, durante estes segmentos, o título faz um grande uso da violência corporal. Acredito que violência explicita em filmes ou jogos é necessário apenas quando o objetivo é chocar o jogador para deixa-lo desconfortável. Está é exatamente a proposta de Martha is Dead, o que faz com que estes elementos encaixem perfeitamente.
Assim sendo, durante a jornada de Giulia, teremos segmentos com fortes cenas envolvendo mortes explicitas, automutilação e até mesmo uma cena logo no começo do jogo na qual devemos jogar um mini game removendo a pele do rosto de uma personagem e depois a vesti-lo, bem na vibe Leatherface do Massacre da Serra Elétrica.
Mesmo com estes segmentos, não vejo motivo para eles serem removidos da obra, pois fazem parte da experiência e da tensão que o jogo proporciona aos jogadores. Além disso, Martha is Dead faz um bom trabalho ao avisar os jogadores que o título terá momentos pesados e até mesmo fornece a opção de jogarmos um segmento censurado caso o jogador não queira experienciar aquilo.
Fotografando o horror
Outro elemento fortemente presente em Martha is Dead é a fotografia. Este é o hobby favorito da protagonista e teremos vários segmentos em que será necessário fotografarmos objetos e até mesmo pessoas no cenário. O título faz um bom trabalho ao representar fielmente o funcionamento de uma máquina fotográfica daquela época, entretanto, toma algumas liberdades criativas a favor do gameplay.
Assim sendo, ao tirarmos uma foto, devemos ajeitar o angulo, distancia e foco, sendo que após alinharmos estes três elementos, a imagem deve ser tirada. Além disso, teremos diferentes categorias de lentes que poderão ser usadas na câmera, como uma que permite fotografarmos de noite.
Após tirarmos as fotografias, elas precisarão ser reveladas. A protagonista possui uma sala escura no porão de sua casa, onde faz esse trabalho. Neste momento, Martha is Dead mais uma vez simplifica o processo de revelação das imagens, sendo que devemos colocar o filme em um papel especial e depois mergulhar em um líquido que irá revelar a foto.
No processo real, existem mais tarefas que devem ser executadas para que o processo seja concluído, entretanto, no game está tarefa é feita de maneira rápida, mas imersiva. O game faz um bom trabalho em tocar uma música tema durantes estes segmentos, sendo que a faixa me transmitiu o sentimento de safe room do Resident Evil.
Vários objetivos em meio ao terror
Martha is Dead apresenta diversos objetivos secundários ao decorrer dos capítulos. Este aspecto me surpreendeu, pois, em obras de terror focadas na narrativa, normalmente temos um caminho mais linear a ser seguido. Entretanto, aqui teremos várias pequenas missões a serem cumpridas pelo cenário, que embora sejam limitadas por algumas paredes invisíveis em diversos trechos, fornecem uma boa liberdade de exploração.
Além disso, estes segmentos opcionais servem para expandir ainda mais a narrativa, tornando a história de Martha is Dead mais rica. Para exemplificar, temos um trecho em que podemos ajudar alguns soldados de um exército que está rondando a região. Ao fazermos isto, é possível aprendermos mais sobre a situação dos conflitos da guerra naquela região e também os pensamentos de Giulia sobre o assunto.
Uma jogabilidade que poderia ser melhor
A jogabilidade de Martha is Dead não foge muito do esperado em games neste estilo. Podemos andar, correr, interagir com objetos, tirar fotografias e fazer algumas escolhas em momentos pré determinados. Embora não seja complexa, Martha is Dead deixa a desejar em alguns aspectos, principalmente em relação à movimentação da protagonista. Em diversos momentos ela ficava preso em cantos e eu simplesmente não conseguia sair do lugar. Por vezes, a única solução foi reiniciar o game. Este bug aconteceu umas 5 vezes durante a minha jornada e elas foram frustrantes, pois eram em momentos de tensão, e acabou quebrando totalmente a minha imersão.
Além disso, a interação com os objetos nem sempre funciona como deveria. Pois, principalmente ao interagirmos com portas, é preciso apertar mais de uma vez para que o comando seja executado. Este problema já existia no game anterior da LKA, The Town of Light, e infelizmente este aspecto não foi melhorado aqui.
Gráficos e trilha sonora
Martha is Dead entrega visuais bons, mas que possui certa inconstância. Ao explorarmos locais abertos e noturnos, seja florestas, o lago ou até mesmo alguns locais presentes nas alucinações de Giulia, tudo é representado de uma forma bela e, ao mesmo tempo sombria. E também temos uma neblina que está sempre presente, lembrando o aclamado Silent Hill. Estes segmentos foram os que mais me deixaram imersos na aventura, pois a mistura do macabro com o antigo sempre me fascina. Isto dito, o título faz um bom trabalho ao apresentar casas, cidades e até mesmo itens dá época, o que faz com que a jornada seja imersiva.
Entretanto, Martha is Dead deixa a desejar durante os cenários de dia, mais comuns do que eu gostaria para ser sincero. Durante estes segmentos, fica evidente os problemas de delay de render que o título apresenta, sendo eles comuns e bem incômodos, principalmente em locais fechados. É comum, ao andarmos pela casa da protagonista, que paredes, portas e até mesmo a iluminação de uma janela simplesmente aparecer toda borrada e depois de 5 segundos carregar completamente.
Entretanto, este problema não ocorreu em ambientes abertos, o que achei bem estranho, pois esperava que isto acontecesse na floresta por ser o local com mais elementos na tela. Felizmente, este não foi o caso, e com exceção da casa de Giulia, os outros locais do jogo entregam um visual belíssimo, como já era esperado.
Em relação à trilha sonora, Martha is Dead consegue manter o jogador imerso ao usar faixas melancólicas, e de músicas italianas clássicas regravadas. O destaque fica com as músicas Ave Maria, de Schubert, e Bella Ciao. Além disso, o game também apresenta várias músicas originais compostas e interpretadas pela cantora Francesca Messina, mais conhecida como a estrela da disco dos anos 90, Femina Ridens.
O som ambiente também é outro elemento que consegue se destacar aqui, sendo que principalmente nos segmentos no qual a protagonista deve realizar alguma ação impactante ou intensa, todo o peso daquela ação é transmitido por meio da ambientação e dos sons da trilha sonora. Para exemplificar, temos a cena na qual devemos cortar o rosto de uma personagem morta. Todo o peso desta ação consegue ser transmitido intensamente e pesada, graças aos agudos de fundo em conjunto com o singelo barulho do lado e das árvores balançando na floresta. Toda está atmosfera é construída de forma única, macabra e impactante.
Desempenho
Minha experiência foi no Xbox Series S. O game roda em 30 FPS, entretanto, em locais como a floresta, quedas de framerate são notáveis. Neste aspecto, acredito que uma melhor otimização poderia ter sido feita, pois, existem alguns segmentos que exigem precisão do jogador, como uma perseguição na floresta, e acaba sendo prejudicial para a experiência estas quedas de FPS. Com exceção deste aspecto, Martha is Dead consegue segurar a jornada de maneira estável, sendo que os tempos de carregamentos são rápidos e não tive nenhum problema envolvendo travamentos ou crashs.
Vale a pena comprar Martha is Dead?
Martha is Dead apresenta uma jornada aterrorizante e pesada, demonstrando o quão traumático e desesperador pode ser o sentimento de luto. Além disso, o título faz um bom trabalho em apresentar para o jogador, momentos verdadeiramente aterrorizantes e de forte tensão. A história consegue se manter interessante e misteriosa na maior parte do tempo, entretanto, acaba deixando a desejar na reta final.
A jogabilidade do título também consegue se manter estável por toda a campanha, mesmo que apresente alguns problemas aqui e ali. Martha is Dead é um game que eu recomendo para todos os fãs de horror psicológico. Os fãs do projeto anterior da LKA, The Town of Light, com certeza irão apreciar esta nova narrativa e notar as claras evoluções em comparação com o projeto anterior. Entretanto, a história contada aqui é pesada e impactante, sendo que eu não recomendo ela para pessoas sensíveis a uma abundante violência corporal. Por fim, deixo aqui a mensagem final do game, pois, acredito que ela é importante para todos os jogadores que pretendem adentrar está jornada no terror.
“Felizmente, hoje é possível pedir ajuda e recebe-la. Mesmo sozinhos. Mesmo desesperados. Mesmo quando parece que a vida não faz o menor sentido. Se não houver nada para nós é só porque não conseguimos mais ver. Tem sempre algo importante, talvez logo ali, virando a esquina.”
Martha is Dead foi desenvolvido pela LKA e já está disponível para PC, via Steam e Epic Games Store, PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox Series X|S e Xbox One.
*Review elaborado em um Xbox Series S, com código fornecido pela Wired Productions.
Martha is Dead
+ R$ 56,99Prós
- A história consegue prender o jogador com seus temas pesados e ao adentrar profundamente na mente perturbada da protagonista
- A trilha sonora é bela e transmite a melancolia presente durante toda a obra
- O processo de tirar e revelar fotos é interessante
- O game faz um bom trabalho ao avisar o jogador sobre os segmentos mais fortes e pesados em questão de violência gráfica
- O título apresenta uma atmosfera opressora e verdadeiramente angustiante
Contras
- A história avança rápido demais na reta final e deixa algumas pontas soltas na narrativa
- A jogabilidade poderia ser melhor
- O título apresenta algumas quedas de FPS incomodas
- Delay de render em ambientes fechados