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American Arcadia | Review

American Arcadia, jogo da Out of the Blue e a Raw Fury disponível para PC, via SteamPlayStation 4, PlayStation 5Xbox One, Xbox Series X|S e Nintendo Switch, é um título, no mínimo, diferente. A ideia dele é simples, mas extremamente funcional: imagine acordar e descobrir que toda a sua vida, cada passo que você deu, foi assistido ao vivo por milhões de espectadores ao redor do mundo. Você já viu isso antes, certo? Parece muito o Show de Truman, filme estrtelado por Jim Carrey. Mas American Arcadia vai além da simples paródia de um reality show absurdamente distópico. Ele entrega uma narrativa com profundidade, recheada de críticas sociais afiadas, puzzles inteligentes e um visual nostálgico.

Até aí, tudo bem. A ideia não é 100% nova, como é possível perceber pelo próprio filme mencionado, mas deixa os interessados se questionando: será que vale mesmo a pena? O jogo consegue ser divertido, é realmente ousado e consegue entreter, mesmo com a ideia de puzzles? E é justamente aí que eu entro, explicando tudinho para vocês. Sendo assim, confira minhas impressões do que esperar de American Arcadia, em mais uma análise gostosinha do Pizza Fria!

Uma espécie de Show de Truman, mas jogável

A história de American Arcadia gira em torno de Trevor Hills, um homem comum, com uma vida ordinária em seu trabalho, que vive em uma cidade aparentemente perfeita chamada Arcadia. Com visual e estilo inspirados nos anos 70, a cidade funciona como uma espécie de utopia modernista, repleta de tecnologia retrô, diversos robôs domésticos e uma rotina tranquila, ou mais ou menos isso… No entanto, logo fica evidente que essa tranquilidade esconde algo muito maior. Com isso, a narrativa mergulha o jogador em uma trama de fuga, conspiração e vigilância constante, onde nada é exatamente o que parece ser. Uma espécie de Big Brother, mas focado na ideia do escritor George Orwell, no livro 1984.

Ao longo da jornada, American Arcadia alterna entre diferentes perspectivas e estilos de jogabilidade para revelar camadas da história de forma mais envolvente. Enquanto Trevor tenta entender o que está acontecendo à sua volta, outra personagem entra em cena para o ajudar a fugir desta grande utopia televisionada, acrescentando tensão e profundidade à trama. Com uma abordagem que mistura muitas críticas sociais, distopia futurista e referências pop à cultura de massa, American Arcadia constrói um enredo que prende do início ao fim, sempre nos dando a sensação de que algo maior sempre será revelado a seguir. Neste ponto, achei simplesmente incrível a narrativa, sendo totalmente imersiva e interessante.

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Corra por sua vida! (Imagem: Divulgação)

Vamos falar sobre o lado mais crítico do jogo

O que mais impressiona em American Arcadia é como ele costura sua crítica social de forma tão acessível, eficaz e até mesmo divertida. A comparação com uma ideia deturpada de Disney e o projeto original do que seria a EPCOT (a tal “Comunidade Prototípica Experimental do Amanhã”) não é aleatória. Essa concepção de um mundo planejado, onde tudo funciona com precisão, mas à custa da liberdade individual, é o pano de fundo perfeito para o jogo. Ao contrário de muitas narrativas que tentam “subverter expectativas” e acabam se enrolando no próprio roteiro, American Arcadia consegue surpreender com reviravoltas bem dosadas e construídas com pistas sutis ao longo da campanha e um toque de humor único.

É um título que entende exatamente que narrativa não é só o que se fala ao longo das cenas, mas também o que se mostra e o que deixa nas entrelinhas a cada avanço. A direção de arte é prova disso: a cidade de Arcadia brilha com cores saturadas, paisagens ensolaradas e cenários limpos, que contrastam com o mundo real lá fora, cinzento e opressor. A diferença visual entre os ambientes ajuda o jogador a sentir a mesma desorientação que Trevor sente ao perceber que sua vida toda foi encenada.

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Arcadia traz um mundo perfeito… é… mais ou menos… (Imagem: Divulgação)

Aliás, Trevor é um personagem que se vê em choque com essa descoberta de um mundo totalmente falso ao seu redor tal como o Truman do filme, algo que nos deixa cada vez mais presos a sua história, torcendo para que tudo dê certo para ele. Mas, como é de se esperar, a tarefa não será nada fácil. Porém, não darei mais detalhes, evitando os spoilers. Concluindo esta parte, as críticas sobre o mundo em que vivemos são interessantes e trazem uma dose extra de diversão ao jogo. Mesmo sendo focado nos puzzles, essas ideias que vão surgindo, acabam deixando os jogadores interessados a prosseguir. Aliás, adoro jogos com essa pegada, algo que facilitou minhas horas de jogo.

Duas perspectivas, um só objetivo

Sem querer dar spoilers, mas já falando um pouquinho além, American Arcadia tem uma grande sacada de alternar entre duas jogabilidades: 2.5D com Trevor e primeira pessoa com outro personagem, sendo este um dos maiores trunfos do game. Enquanto Trevor protagoniza sequências de fuga, stealth e plataforma em um estilo que lembra os clássicos side-scrollers, o tal segundo personagem nos coloca em quebra-cabeças mais cerebrais e momentos tensos de sabotagem e espionagem corporativa, dando toda a tensão ao jogo.

Essa troca constante de pontos de vista quebra o ritmo da mesmice e mantém a experiência sempre fresca e desafiadora na medida certa. Não que tudo seja perfeito: algumas sequências com Trevor acabam ficando meio lentas, especialmente os momentos em que o jogo força uma caminhada lenta para desenvolver diálogos, algo que acontece com certa frequência. Em contrapartida, o personagem misterioso protagoniza cenas brilhantes, como o momento em que precisa limpar provas incriminadoras do seu apartamento antes que seu chefe apareça. É um mini quebra-cabeça que mistura urgência, tensão e narrativa ambiental de forma primorosa. E o melhor: tudo está muito bem conectado.

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A perspectiva em primeira pessoa liga um personagem ao outro. (Imagem: Divulgação)

Trilha sonora e ambientação dão um charme ao jogo

A trilha sonora de American Arcadia é outro grande destaque. Começando com melodias leves e otimistas que remetem aos comerciais retrô, ela vai ganhando tons mais sombrios à medida que a verdade sobre Arcadia se revela. Isso muda totalmente nossa sensação de “um mundo perfeito” para “precisamos fugir com urgência”. Desta forma, em alguns momentos as músicas acabam lembrando trilhas de filmes da Pixar ou da Disney dos anos dourados (uma ideia que faz sentido aqui, como disse anteriormente), reforçando a crítica à cultura do entretenimento que tudo consome, inclusive pessoas…

Cada novo cenário, muito bem planejado e condizente com cada coisa que o jogo quer dizer, traz variações sutis de cor, iluminação e som que ampliam a imersão. O uso de luz e sombra em ambientes fechados cria um clima noir inesperado, que dá ao jogo um charme único, como se estivéssemos jogando uma série de TV interativa, prestes a ver sua quarta parede ser quebrada por um fugitivo que não fazia ideia de que toda a sua vida era uma grande mentira baseada em audiência. Caótico!

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A trilha de American Arcadia traz um extra para o quesito imersão. (Imagem: Divulgação)

Uma experiência completa, mas que peca em poucos pontos

A construção do mundo de American Arcadia, como já mencionado, é digna de nota. O jogo não entrega tudo de bandeja, mas também não cai no erro de ser enigmático demais, deixando o jogador mais confuso do que desafiado. Tudo o que você precisa para entender a história está lá, distribuído em documentos, diálogos e pequenos detalhes nos diversos cenários que o título nos leva. O universo de American Arcadia é tão bem amarrado que você se pega pensando: “E se isso acontecesse de verdade?” Aliás, quem nunca pensou nisso, não é mesmo!?

Ainda assim, alguns puzzles do jogo soam meio que frustrantes, mas não por questões como dificuldade, mas por explicações pouco claras e meio confusas. É aquele momento em que o jogador sente que o desafio está mais na interface apresentada do que na lógica. E, como já mencionado, as sequências mais lentas com Trevor às vezes quebram o ritmo de forma não tão orgânica. Neste ponto, nem vejo um grande problema, mas realmente, você está empolgado e… tudo fica devagar. Mais devagar que a resolução dos puzzles. Aí complica um pouquinho.

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Os bastidores de um mundo de mentira. (Imagem: Divulgação)

Vale a pena jogar American Arcadia?

American Arcadia é uma dessas pérolas pouco conhecidas pelo público gamer que surgem de tempos em tempos no mundo dos games. É um título que aposta bem alto em narrativa, crítica social e estilo artístico, e que, na maioria das vezes, acerta muito. Ele te convida a refletir sobre a sociedade do espetáculo (quem leu Guy Debord entenderá melhor), o papel das grandes corporações na vida moderna e até onde elas iriam na busca incessante por audiência, tudo isso sem esquecer que estamos, sim, jogando um videogame. Ela escancara as escrotices do mundo atual de uma forma leve e facilmente compreensível, em que reality shows surgem todo dia em busca de visibilidade.

Com momentos emocionantes, uma dublagem impecável, ambientação extremamente criativa e um gameplay variado entre dois personagem, o American Arcadia conquista tranquilamente seu espaço no panteão dos indies de destaque. Pode escorregar em alguns pontos técnicos, algo comum, é verdade, mas sua mensagem e sua execução geral são fortes o bastante para fazer você perdoar os tropeços e seguir em frente, querendo saber o que virá adiante. Portanto, se você curte narrativas ousadas, puzzles inteligentes e distopias com um toque de crítica pop, American Arcadia é o próximo título que merece a sua atenção.

*Review feita em um Nintendo Switch, com código fornecido pela Raw Fury.

American Arcadia

R$ 59,90+
8.6

História

9.0/10

Jogabilidade

8.2/10

Gráficos e sons

8.6/10

Extras

8.4/10

Prós

  • Narrativa criativa e surpreendente
  • Legendas em português brasileiro
  • Dois estilos de jogabilidade bem integrados e ligados a narrativa

Contras

  • Puzzles inconsistentes na reta final
  • Algumas partes com Trevor acabam sendo mais lentas por conta dos diálogos

Álvaro Saluan

Historiador e cientista social de formação, é completamente apaixonado por videogames e escreve sobre o tema há uns bons anos. Vê os jogos para além do entretenimento, considerando todo o processo como uma grande e diversificada arte.