Sonority | Review

Ao partir na busca por uma melodia mágica capaz de curar todos os males, mal sabe Esther que notas musicais são as chaves necessárias para desbravar um mundo esquecido. A garota se alimenta da esperança de que a melodia mágica seja a cura para seu amigo Batama, o urso.

A premissa acima é como começa Sonority, uma aventura encantada em uma forma bem atípica de quebra-cabeça da desenvolvedora alemã Hanging Gardens Interactive e publicado pela Application Systems Heidelberg.

Eu disse “forma bem atípica” porque Sonority tem um charme único, essa característica tão própria dos jogos indies que ousam quebrar com o popularesco ao experimentar com estilo e ritmo próprios. Dessa forma, alternando cenas que desdobram a história com generosas porções de jogo, o conto de Esther é entretido e relaxante para quem procura algo neste gênero. 

Me conte uma história…

À primeira vista, Sonority parece se confundir entre contar a história do lugar no qual humanos e animais viviam em harmonia e explicar o funcionamento de seus puzzles (sim, tá liberado usar a palavra de forma intercambiável com quebra-cabeça). Ainda assim, os primeiros minutos passam suficientemente rápido para sanar qualquer dúvida.

Uma vez que a trama é um elemento fundamental em Sonority, jogue com tranquilidade – não existem inimigos nem demonstrações absurdas de habilidade ou saltos impossíveis. Esther será apresentada a um guaxinim e a umas cabeças de pedras chamadas Zuzu, que estarão sempre presentes. Os laços criados e o fio condutor da aventura são importantes para que o jogador entenda o propósito desta obra. Apesar de flertar um pouco mais do que eu gostaria com um certo sentimentalismo barato e acompanhado de uma escrita um tanto tosca, o jogo me lembrou muito filmes clássicos como Labirinto, a Magia do Tempo (1986, aquele com David Bowie) e A História Sem Fim (1984).

Esther, a protagonista de Sonority, sentada ao lado de uma fogueira e escrevendo em seu diário no começo do jogo.
Sonority conta uma bela história, remanescente de filmes como a História Sem Fim (Imagem: Reprodução)

Dessa forma, com as referências de jornadas fantásticas e muito pessoais, o jogador se pergunta se Esther descobre um mundo esquecido e quase onírico ao explorar tantas ruínas ou, se ao mesmo tempo, descobre mais de si mesma ao ter conversas que trazem questionamentos e autorreflexão.

Sete são as notas musicais

A aventura começa de fato quando Esther encontra a Flauta de Pan capaz de tocar uma nota só – pelo menos por enquanto. No decorrer do caminho, pouco a pouco, o papel dos jogadores fica claro: abrir caminho pelas ruínas de vários cenários, começando pela floresta, para encontrar a tal melodia restauradora.

Mas como avançar, principalmente se escadas e plataformas não se comunicam?

Mural em Sonority conta a história das regiões do jogo.
Murais como este são intervalos bem-vindos dos enigmáticos quebra-cabeças musicais. (Imagem: Reprodução)

Em Sonority, a solução dos quebra-cabeças é armazenar notas musicais em totens mágicos para realinhar os objetos no cenário e prosseguir. Deste modo, ao superar uma área, um novo enigma se abre para ser solucionado e avançar mais um pouco. Simples, né?

Nem tanto: a Flauta de Pan de Esther tem uma nota só. Por isso, a garota vai progredir à medida que descubra o som de novas notas musicais. Não bastasse isso, mais instrumentos musicais com escalas musicais diferentes estão escondidos por aí e alguns totens mágicos apenas respondem a certos instrumentos.

A solução é encontrar o intervalo entre notas que movimente os objetos no cenário para abrir uma passagem. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch na doca)
A solução é encontrar o intervalo entre notas que movimente os objetos no cenário para abrir uma passagem. (Imagem: Reprodução)

E ainda pode piorar, já que a lógica para a resolução fica muito complexa muito rapidamente. Cada enigma tem um fio condutor que conecta todos os seus objetos aos totens mágicos e a um interruptor que inicia a canção ou que reseta as peças. Após armazenar as notas musicais nos totens e iniciar a sequência, é o intervalo entre uma nota e outra que determina, ponto a ponto, se uma plataforma sobre ou desce e quanto ela gira. Encontrar a partitura correta pode tanto ser uma brincadeira matemática rápida quanto empacar em um daqueles problemas que a resposta parece estar na ponta da língua e mesmo assim escapa do nosso alcance.

Olha esse GIF pra ter uma ideia de como funciona:

Sonority
Neste puzzle, Sonority apresentou um glitch que me obrigou a mudar a conta toda. (Imagem: Divulgação)

Vale lembrar que Esther começa com apenas uma nota musical e aprende as demais ao longo de sua romaria. Além disso, alguns totens já estão preenchidos e sempre tocarão a mesma nota. Há ainda totens especiais que, ao serem preenchidos, duplicam e até triplicam a nota pelo fio condutor.

Sonority ainda conta com uma interface para quem não gosta da pegada musical, apesar de não recomendá-la: a conta tende a ficar mais fácil usando somente números de 1 a 7 em vez das notas de A a G em diferentes escalas musicais.

Logo após um enigma, durante o progresso, também recolhemos runas espiraladas que têm o nome de “elementos musicais”. Estes elementos musicais iluminam inscrições nas pedras espalhadas pelo caminho que, por sua vez, narram os acontecimentos através das eras desse lugar, da aliança entre homens e animais até seu esquecimento.

Runas musicais são colecionáveis que ajudam Esther a desbravar a história. (Imagem: Reprodução)
Runas musicais são colecionáveis que ajudam Esther a desbravar a história. (Imagem: Reprodução)

Com todos estes componentes, Sonority avança naturalmente por regiões diferentes, passando por lugares típicos dos contos de fada, como uma floresta, um templo da água, a torre inalcançável, montanhas e ruínas. As simples partituras das primeiras soluções viram melodias complexas ao longo do jogo, algo que pode afastar jogadores não tão a fins de quebra-cabeças, mas um verdadeiro prato cheio para quem gosta do gênero e fica sempre procurando um novo jogo. Prato cheio nada, uma sinfônica!

O ritmo e a escalada de dificuldade são naturais, interrompidos apenas pela pretensiosa história fantástica, que pode ser elemento decisivo para muitos jogadores continuarem ou não engajados.

Se você disser que eu desafino…

A originalidade de Sorority foi arranhada, para mim, por alguns percalços.

Em primeiro lugar, joguei a versão para Nintendo Switch e, apesar de ser uma plataforma óbvia para jogos assim e completamente capaz, a otimização não foi das melhores e tanto a resolução quanto a taxa de quadros caem drasticamente. Sonority também está disponível para PC.

Por falar nos visuais, a direção de arte é sólida, encanta em muitos momentos e ajuda a ilustrar a história proposta pelos desenvolvedores, mas quase se perdem. Não são um desastre, estão, porém, à margem da competência. (E me sinto um pouco mal dizendo isso, dado que é difícil saber o orçamento do jogo).

Sonority: O guaxinim e as cabeças de pedra, os Zuzus, te acompanharão do início ao fim da aventura.
O guaxinim e as cabeças de pedra, os Zuzus, te acompanharão do início ao fim da aventura. (Imagem: Reprodução)

Talvez seja por isso que as cutscenes apresentam vários problemas na movimentação facial e dos personagens, que também se movem de maneira tão estranha quando estamos no controle. Esses pontos saltariam aos olhos em jogos de outros gêneros, mas num quebra-cabeças como este, são meros detalhes.

Contudo, o problema mais grave foi a incapacidade do jogo de resetar uma área por completo. Aconteceu em duas ocasiões: o jogo armazenou as notas musicais que eu já tinha preenchido, moveu as peças e, claro, não era a solução. Em seguida, ao pressionar o interruptor no chão para reiniciar o puzzle, nem todas as peças voltaram à posição original, o que exigiu certo malabarismo matemático para compensar a conta quebrada pelo jogo.

Vale a pena jogar Sonority?

Sonority me frustrou na mesma proporção que me encantou. A narrativa incomum de Esther, do guaxinim, do urso Batama e de seus amigos Zuzu cabeças-de-pedra oferece o escapismo que muitas vezes buscamos nos jogos e deve encantar também os mais novos, pois o jogo tem legendas em português do Brasil ao longo de suas 6 horas de duração.

O destaque, além da engenhosidade de seus quebra-cabeças, é a trilha sonora delicada, que acompanha as partituras das soluções com barulhos naturais, como o de uma cascata, do vento e dos tremores da terra. 

A dificuldade aumenta ao passo em que o jogador aprende como lidar com os desafios mais complexos. Os momentos mais tensos foram aqueles que obrigavam a coordenar o tempo com o movimento e identificar algumas notas secretas pelo ouvido, o que me levou a algumas tentativas e erros. No geral, sem ser revolucionário, Sonority consegue ser único, divertido e bem inteligente. O preço acima de R$ 60 deve ser considerado como um alerta amarelo e um pouco taxativo para quem não é fã de quebra-cabeças, já que é facilmente encontrado por cerca de R$ 40 em promoções.

Por fim, os pequenos problemas técnicos não devem servir como impedimentos para quem quer conhecer um jogo original e recompensador.

Sonority já está disponível para Nintendo Switch e PC, via Steam e GOG.com.

*Review elaborada no Nintendo Switch, com código fornecido pela Application Systems Heidelberg.

Sonority

+ R$ 59,99
7.6

História

8.0/10

Visuais

6.5/10

Sons

8.5/10

Jogabilidade

7.5/10

Prós

  • Quebra-cabeças original e criativo
  • Desafios musicais na medida certa
  • Belo uso dos sons
  • História encantadora
  • Legendado em PT-BR

Contras

  • Resolução baixa no Switch
  • Lip sync é um desastre
  • Visuais muito aquém do som
  • Glitches que atrapalham soluções

Carlos Maestre

Jornalista que passou a pesquisar acessibilidade digital pela constante necessidade de inverter o eixo Y - desde GoldenEye 007. Cresceu com a Nintendo e fã da (atual) Microsoft, quer a velha Rare de volta. Além de achar divertido caçar conquistas, sofrerá uma intervenção a qualquer instante por culpa de Stardew Valley.