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Snufkin: Melody of Moominvalley | Review

Snufkin é um andarilho tranquilo que volta e meia aparece nas aventuras e casas dos Moomins, além de ser um dos personagens mais queridos por leitores da série criada por Tove Jansson. Agora, o levíssimo jogo Snufkin: Melody of Moominvalley – ou melhor, Snufkin: Melodia do Vale dos Moomins – convida jogadores de todas as idades a embarcarem numa rica e gostosa aventura musical para restaurar o vale e assim ajudar o peculiar elenco a salvar seu lar.

Snufkin: Melodia do Vale dos Moomins está traduzido com muito charme ao português do Brasil e passear pelo vale lendo os pensamentos e as falas cheias de personalidade é delicioso. Aliás, vale ressaltar que o jogo se inspira em trechos diferentes dos nove livros Moomins da autora e ilustradora sueco-finlandesa. Jansson cria um mundo de fantasia com habitantes que soam reais e todo esse lugar ganha vida com seus desenhos -este mundo é replicado com perfeição no game.

Despedida de outono e a promessa de retorno

As folhas secas voando sobre a textura de papel de aquarela marca o outono, momento de Snufkin se despedir de seu amigo Moomintroll. O tranquilo andarilho vai seguir seu caminho por aí enquanto os moomins passam o inverno todo dormindo! Como um bom amigo, ele promete voltar na primavera, como sempre faz, e Moomintroll responde que, como sempre faz, esperará na ponte, que fica logo na entrada do Vale dos Moomins.

Vestindo um chapéu verde e sempre com um graveto na boca, Snufkin é um humano que vaga por aí com sua gaita. Quando ele a toca, os animais próximos se alegram, saem da toca, dançam e mudam seu comportamento para ajudá-lo.

Snufkin: Melody of Moominvalley
Snufkin é um personagem amado dos livros Moomin. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch na doca)

A chegada da primavera e as mudanças no Vale

Mas quando a primavera chega, o avistamento de uma criaturinha arisca revela que algo mudou no meio tempo e que a mudança não foi para melhor. Ele logo vê placas fincadas na grama com todo tipo de proibição: proibido de maçãs a acampamentos.

“Placas? Regras? Na natureza? Quem faria uma coisa dessas?”, Snufkin se pergunta. Mal sabe ele que, enquanto esteve fora, o Guarda-Florestal [sic] teve a brilhante ideia de embelezar a natureza ao impor regras de convivência, a construção de parques até de uma de represa.

Uma imersão visual e musical no jogo

Aos poucos, já no controle, você se aproxima do vale. Os arbustos, os pinheiros e a grama valorizam diferentes tons de verde aquarelados que parecem ter sido absorvidos pelo papel, dos mais claros ao mais escuros. O mesmo para os tons marrons mais escuros da terra ou para os marrons mais claros das trilhas desgastadas. Quando jogamos as pedras cinzas em um riacho azul, elas ganham uma borda branca, como um fio sem tinta, dando contraste entre objetos. O jogo transforma a tela da televisão em um elegante bloco Canson de folhas pesadas.

A música do andarilho encanta o entorno de onde quer que ele passe. E assim, com ajuda da confiável gaita de Snufkin e alguns outros instrumentos musicais que ele ganha, você deve resolver uma série de quebra-cabeças que brincam com a natureza.

O ritmo mais que agradável de Snufkin: Melody of Moominvalley fica melhor com a escolha artística de “animar nos 2s”, que em animação significa produzir apenas 12 quadros para cada segundo em vez dos tradicionais 24 do cinema, dobrando o tempo de exposição cada desenho visto na tela. Bom, ao se tratar de um jogo, estamos falando de 30; a premissa, porém, continua valendo, pois o movimento de câmera é bem suave e todo quadro é uma pintura.

Snufkin: Melody of Moominvalley
As criaturas do vale interagem com as melodias, ajudando nosso andarilho. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch na doca)

A filosofia de Snufkin e a conexão com a natureza

Em cada conversa descobrimos porque Snufkin é tão querido para os leitores da obra de Jansson: suas falas mostram o espírito livre e filosófico que habita no personagem, um jeito simples de viver que propõe atenção especial aos sentidos em contato com a natureza. Ele aprecia o silêncio, assim como melodias alegres ou os sons do vento e da água; ele gosta de se sentar pra pescar no deque ou de se deitar na grama. E essas ações estão a um comando nosso, ações que “quebrariam a imersão” fazem justamente o contrário ao nos colocarem na pele dele. Dá uma certa inveja sermos transportados somente pela imaginação para o vale.

E, como disse, são as melodias da gaita, ou em breve da flauta e do tambor, que interagem com os animais. A melodia faz aquela criaturinha arisca parar de correr de arbusto em arbusto para se esconder, a acalma ao ponto de ganhar confiança e conversar conosco. A criaturinha sem nome mostra que não foram instaladas apenas placas, mas estátuas e grades – uma verdadeira contravenção contra a natureza! Além disso, guardas vigiam os parques para que ninguém ouse tumultuar a ordem.

Snufkin: Melody of Moominvalley
O principal objetivo em Snufkin: Melody of Moominvalley é remover placas e estátuas. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch na doca)

Desta forma, os parques que encontraremos são labirintos verdes patrulhados e têm placas e estátuas personalíssimas do Guarda-Florestal espalhadas. Sem poderes, Snufkin percorre os corredores enquanto se esconde atrás muros verdes ou de arbustos para não ser visto pelos guardinhas, rumo à próxima placa a ser retirada.

A alternância de temas musicais é mais um ponto forte de Snufkin: Melody of Moominvalley, já que a trilha sonora muda com a ambientação da montanha, do mar, do pântano ou nos momentos mais furtivos. Não é por acaso, pois os criadores colaboraram com o grupo islandês de pós-rock Sigur Rós. As faixas levemente experimentais acertam em cheio e capturam o clima das pinturas de Tove Jansson em ondas sonoras.

Snufkin: Melody of Moominvalley
Abaixo ao culto de personalidade e à ditadura do Guarda-Florestal. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch na doca)

Depois de chegar ao vale, passamos a ver melhor como essa ditadura do Guarda-Florestal afetou a vida de todos. Alguns riachos secaram e, desabasteceram casas, flores primaveris morreram e, para piorar, na tentativa de consertar as coisas, seu amigo Moomintroll sumiu. Os moomins, aliás, são essas criaturas redonduchas e pacíficas que parecem hipopótamos brancos. Os desenvolvedores trouxeram a essência na escrita de Jansson, que em livros infantis conseguia aprofundar temas mais universais.

Legado cultural de Tove Jansson

Nascida em 1914 numa casa de artistas, Tove Jansson viveu as guerras mundiais em fases diferentes de sua vida, viu o mundo passar por mudanças radicais e, entre outras rupturas para seu tempo, terminou um noivado para assumir sua sexualidade ao dizer em código ter ido para seu “lado assustador”. Além de escrever, suas gravuras ilustraram trabalhos literários dos mais reconhecidos, entre eles edições Alice no País das Maravilhas e O Senhor dos Anéis. A bagagem e o legado cultural viraram subtexto desta autora em suas obras e, de uma forma sintética, esse subtexto está presente no jogo.

Snufkin: Melody of Moominvalley
Ei, este é o vale dos Moomins… (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch na doca)

A leveza do título é tão incrivelmente delicada que crianças vão jogar um conto ambiental em tempos de crise climática enquanto adultos terão mais camadas de interpretação.

Pouco a pouco, vamos conhecendo outros habitantes do vale, cada um com problemas diferentes causados pela nova ordem. Antes de avançar para os próximos parques, será seu trabalho resolver missões que vão desde coletar as páginas da obra-prima teatral que voaram e se espalharam por todo o vale porque a janela ficou aberta até encontrar vítimas assustadiças para que o fantasma com síndrome de impostor volte a crescer. Ou ainda achar o melhor graveto para ganhar uma corrida de varetas rio abaixo e, assim, poder construir seu barco pirata.

E o melhor é o recheio entre todas as missões e parques, aquilo que eu dizia envolver encantar animais com as melodias de Snufkin. Se as moscas estão te atrapalhando, use a flauta para repeli-las; se uma abelha está perdida, guie-a com sua harmônica até a colmeia; se você precisa atravessar o pântano, mas os crocodilos estão com a bocarra aberta, bata o tambor para que ele a feche.

Além disso, empurre troncos para que sejam pontes, pedregulhos que obstruem a passagem, recolha ingredientes para uma sopa ou distribua os convites da peça de teatro que montaram. Uma aventura com controles bem simples: um para tocar o instrumento, outro para saltar, correr e agarrar objetos, como as pedras ou as paredes.

Snufkin: Melody of Moominvalley
E este é nosso querido andarilho de espírito livre trapaceando numa corrida de gravetos. (Imagem: Reprodução, Nintendo Switch na doca)

Vale a pena comprar Snufkin: Melody of Moominvalley?

Eu amo jogos que mais parecem livros porque parecem aqueles passatempos de almanaques em formato eletrônico, assim como Toem: Uma Aventura Fotográfica (minha análise aqui no Pizza Fria). Eles são deliciosos de jogar, despretensiosos e ao mesmo tempo cheios de alma e superrinstigantes. E, neste caso, a herança vem de verdade da literatura, de uma obra que deixou um legado cultural enorme, os Moomins, cuja autora ficaria feliz em ver uma tradução midiática tão bem-feita.

É um daqueles jogos que é uma pena que acaba em tão pouco e ainda assim dura o tempo certo, cerca de 4 horas “adultas” para completar todos os objetivos. Digo “adultas”, entre aspas mesmo, pois me imagino criança perdido por mais, muito mais. O deleite é maior já que o jogo está traduzido com excelência ao português do Brasil, diálogos e pensamentos. Outras configurações incluem opções de acessibilidade, entre elas uma fonte para dislexia, tamanho do texto e níveis de volume separados para vozes, ambiente, música e interface.

Não sei o que dizer a não ser que queria mais, que depois dos créditos já queria saber se a equipe estava trabalhando para adaptar mais passagens dos livros. Snufkin: Melody of Moominvalley foi feito com muito carinho e respeito às obras de Tove Jansson e é isso que chega a quem estiver jogando, qualquer que seja sua idade.

Desenvolvido pela Hyper Games e publicado pela Raw Fury, o título foi lançado no PC, via Steam, e Nintendo Switch em 7 de março de 2024. Além disso, uma versão para iOS e Android está prevista para os próximos meses.

*Review elaborada no Nintendo Switch, com código fornecido pela Raw Fury.

Snufkin: Melody of Moominvalley

+ R$ 59,99
8.6

História

9.0/10

Visuais

9.5/10

Som

9.5/10

Jogabilidade

8.0/10

Conteúdo

7.0/10

Prós

  • Um raro exemplar de jogo sensorial
  • Tradução encantadora ao português
  • Pinturas em movimento fiéis às de Tove Jansson
  • Trilha sonora, composta em parceria com Sigur Rós
  • Para todas as idades

Contras

  • Curto, cerca de 4 horas
  • Desempenho oscila
  • Acaba =/

Carlos Maestre

Jornalista que passou a pesquisar acessibilidade digital pela constante necessidade de inverter o eixo Y - desde GoldenEye 007. Cresceu com a Nintendo e fã da (atual) Microsoft, quer a velha Rare de volta. Além de achar divertido caçar conquistas, sofrerá uma intervenção a qualquer instante por culpa de Stardew Valley.