Ghost of Yōtei | Review
A lacuna deixada após Ghost of Tsushima foi enorme. Bem, pelo menos para mim. Quando anunciaram Ghost of Yōtei, logo fiquei ansioso – e um pouco preocupado. Afinal, dificilmente o segundo jogo de uma franquia consegue superar o primeiro. A cada novo trailer lançado, a expectativa aumentava. Sabendo que a narrativa não teria ligações com o primeiro jogo, fiquei bem mais tranquilo, sabendo que seria praticamente um novo jogo. A título de curiosidade, desde o anúncio de Ghost of Tsushima, acabei ficando imerso na cultura e história do Japão. Filmes de samurai? Vi mais de 40, sobretudo os do Kurosawa. Séries? Assisti Xógum e diversos documentários. Livros e animes? Uma infinidade deles.
Por conta disso, já adianto que, embora pareça, não tive muitas expectativas para Ghost of Yōtei. Talvez por conta da atual conjuntura de minha vida, misturada com uma certa desilusão com os jogos. Sei lá. Com isso, pelo menos tinha uma vantagem comigo: se o jogo fosse bom, ele seria uma grata surpresa. Se fosse ruim, não surpreenderia. Diante disso, diversas perguntas surgiram em minha cabeça antes de jogar: será que o jogo se mantém fiel à jogabilidade da franquia, ou muda tudo radicalmente? E a história? Será mais do mesmo, ou algo digno do cinema samurai? Por fim, a mais importante: será que o jogo é bom? Essas e várias outras questões serão apresentadas nesta análise. Confira!
Senta que lá vem história…
Ghost of Tsushima contava uma narrativa parcialmente real do período da primeira invasão mongol no Japão em 1274, com Jin Sakai sendo o lendário Fantasma. Já Ghost of Yōtei, que se passa 329 anos após o primeiro jogo, em 1603, no período Edo, ocorrido 3 anos após a lendária batalha de Sekigahara. Com esse período, o Japão passou a ser controlado pelo xogunato Tokugawa, conhecido também como Idade da Paz Ininterrupta, já que a nação havia se unificado e, além disso, se isolado do restante do mundo.
No entanto, como o próprio jogo deixa claro, há uma grande influência da chegada dos portugueses, ocorrida inicialmente em 1543, sendo eles os responsáveis pela introdução de armas de fogo no país. Para alguns historiadores, essa mudança radical no estilo de batalhar, acabou colaborando com o fim a era dos samurais, personagens que permeiam o imaginário japonês e mundial por meio de diversas representações.
Ghost of Yōtei se passa ao norte do Japão, na República do Ezo, situada nas terras ao redor do Monte Yōtei, localizado na atual ilha de Hokkaido. Portanto, a ideia de avançar no tempo não é meramente cosmética. Ela nos transporta a um período bem famoso do Japão, repleto de tensões sociais, disputas de poder locais e conflitos entre clãs menores. No centro dessa trama está Atsu, uma rōnin que sobreviveu ao massacre de sua família quando criança e que volta à sua terra com um só objetivo: eliminar, um a um, os integrantes dos Seis de Yōtei, grupo que matou sua família e a deixou para morrer, algo mostrado em uma cena impactante logo no início do jogo.
Diferente de Jin, que era um samurai e se tornou o Fantasma, Atsu nunca teve essa pretensão de ser uma samurai com toda aquela história de honra. Ela não é santa, algo que ela fala sempre durante o jogo; mas também não é uma anti-heroína cínica. Ela é, antes de tudo, uma sobrevivente. Por conta disso, viajou lutando para diversos senhores (inclusive na batalha de Sekigahara, ficando do lado vencido). Sua frieza aparece constantemente, sobretudo pelo espaço em que se colocou, mas ela se mostra bem humana quando necessário. Essa ambivalência sustenta a narrativa de Ghost of Yōtei, dando densidade às relações que ela estabelece ao longo da trama.

Após passar por todos esses eventos, Atsu retorna a Ezo em busca de vingança, algo que a faz ser conhecida como um demônio ou a onryō, ou seja, espírito vingativo, na tradução literal. Com isso, sua fama aumenta gradativamente na região, algo que influencia diretamente na jogabilidade. Afinal, nossa protagonista é uma procurada pelos Seis de Yōtei, que espalham cartazes com grandes recompensas para quem conseguir capturá-la. Assim, a trama acaba tomando rumos menos lineares, com inimigos surgindo sem avisar, interessados a entregar a cabeça de Atsu ao senhor da região. Portanto, no quesito história, Ghost of Yōtei tem uma ótima renovada, sendo essa uma excelente escolha dos criadores.
Narrativa muda a dinâmica do jogo
Se tem uma coisa que gostei demais em Ghost of Yōtei, foi a não linearidade da trama. Aqui, temos uma luneta (também introduzida pelos portugueses no Japão), que serve para encontrar localizações ao redor de uma forma mais realista. Nossos olhos são atraídos por fumaça no horizonte, redemoinhos de folhas, bandos de pássaros e várias outras coisas. Ou seja, o cenário nos sussurra possibilidades e, com isso, somos convidados a conhecer o mapa. Por conta disso, acabei me desviando por diversas vezes das missões principais, sobretudo por encontrar aldeões pedindo ajuda, ou por ser abordado por outros rōnins, que queriam a cabeça de Atsu a qualquer custo. E isso é excelente.
Por conta disso, o design das atividades acaba sendo diretamente ligado a essa escolha. Porém, tal como no primeiro jogo, em Ghost of Yōtei temos santuários, locais de banho, pássaros que nos guiam ao encontro de lobos e outras coisas, que nos ajudam a aprimorar a personagem, com variações constantes para tentar evitar repetição. É claro, nem sempre isso é possível. Felizmente, esses sistemas herdados foram retrabalhados para funcionarem mais como experiências do que como obrigações. Além disso, novas tarefas foram adicionadas, dando um toque próprio para Ghost of Yōtei.

Ghost of Yōtei aprofunda os flashbacks que já tinham em Ghost of Tsushima. Agora, eles são parte da mecânica do jogo. Em locais específicos, é possível alternar entre presente e lembranças da infância de Atsu, que são jogáveis. Com isso, cada volta ao passado contextualiza o agora, aprofunda personagens, serve de tutorial para algumas dinâmicas e devolve ao retorno ao presente um peso emocional diferente. Particularmente, achei isso extremamente interessante, nos mantendo ativos em toda a experiência. Por fim, agora temos companhias ao longo da história, que fazem parte da Alcateia, formando uma espécie de grupo de ajuda de Atsu, dando armas, informações e outras coisas.
A luta por vingança: jogabilidade renovada, mas sem perder o estilo
Os alvos principais do jogo são os Seis de Yōtei. No entanto, eles não são meros marcadores genéricos de missão. Para encontrá-los, você precisa investigar, algo que contribui para que a narrativa não seja tão linear. Além disso, cada inimigo possui sua motivação, estilo de combate e ecos no território que governa. Por conta dessas diferenças, a jogabilidade segue um ritmo ditado por nós mesmos. Bem, pelo menos em algumas partes, já que inimigos podem surgir do nada. Com isso, a estrutura de Ghost of Yōtei permite abordar alguns dos “chefões” na ordem que nós bem entendermos, nos colocando na missão de guiar Atsu em seus planos de vingança.
Falando das batalhas, se em Tsushima as posturas de espada eram o principal aspecto no combate, em Yōtei a coisa é diferente. A mudança, mais que bem-vinda, se dá ao trazer novas armas e estilos de luta. A katana, uma das armas mais famosas do Japão, continua sendo a base da protagonista, mas ela também pode dominar estilos diferentes como odachi, yari, duas katanas e kusarigama, podendo alternar entre elas conforme o estilo do seu inimigo. O sistema acaba nos fazendo analisar melhor os inimigos e qual arma usar contra cada um deles. Ferramentas como kunai, bombas e arcabuz entram no jogo, além do tradicional parry e esquivas, que aprimoram o que foi visto no primeiro jogo.

Porém, há novidades. Ataques amarelos não podem ser bloqueados. Diferentemente dos vermelhos, indefensáveis, eles podem desarmar. Porém, ao contrário dos temíveis soulslikes, a janela de leitura das esquivas é justa, a animação comunica com clareza, e as recompensas ao executar a ação no tempo certo são deliciosamente impactantes, abrindo brechas para nossos ataques. Há momentos em que, assim como Tsushima, temos os duelos. No entanto, em Ghost of Yōtei, Atsu tem o auxílio de um lobo, que morde os inimigos quando a protagonista está em perigo. É incrível!
Outra coisa positiva em Ghost of Yōtei é a atenção dada pelos desenvolvedores às missões secundárias. Elas estão mais bem elaboradas, apresentando em alguns casos recompensas materiais para a personagem, mas nada que se compare a ajudar o povo de Ezo. Com isso, temos a possibilidade de caçar foras-da-lei, algo que vai se desdobrando em pequenas narrativas; o encontro com mestres de armas, que nos ensinam movimentos em pequenas histórias com identidade; além dos clássicos acampamentos inimigos, que podem ser limpos na furtividade. O melhor de tudo isso, é que cada detalhes desses se encaixa ao propósito da história principal.

Mais um trabalho primoroso da Sucker Punch
A região de Yōtei é lindíssima, melhorando o que foi visto na versão anterior. Temos novamente campos floridos, trilhas com folhas levantadas ao galope, neve que guarda a marca exata do seu passo, água que reflete com suavidade, tudo bem detalhado. Um close num NPC debaixo de chuva revela a gota escorrendo no rosto, ainda que eles sejam bem genéricos, um incomodo que tenho desde o primeiro título. Retornam também, com novidades, os filtros cinematográficos. O “modo Kurosawa” mescla imagem granulada em preto e branco com tratamento de áudio que remete ao melhor do cinema samurai. Essa é mais uma homenagem às influências do jogo. Há ainda modos mais sangrentos ou experimentais, combináveis entre si.
A música de Ghost of Yōtei é maravilhosa, abraçando diversos tipos de instrumentos, alternando com pausas dramáticas para pontuar momentos de contemplação e situações de perigo. Em lutas, por exemplo, os sons dão peso a cada bloqueio perfeito, a cada desarme e a cada corte limpo. Com isso, o áudio se comunica com a mecânica, deixando o jogo mais imersivo. Vale ressaltar aqui que a localização em português brasileiro segue incrível, tal como no primeiro título. Isso transforma a experiência para nós, jogadores.

Por último, mas não menos importante, preciso mencionar os usos dados ao DualSense. O controle da Sony é empregado com um propósito imersivo, nos dando o controle de situações simples, como forjar uma espada ou acender uma fogueira. Para isso, os gatilhos contam com resistência contextual, vibrações táteis que traduzem texturas de terreno e minigames que aproveitam dos movimentos com o controle. Contudo, essas tarefas não são obrigatórias, sendo colocadas ali para dar uma quebrada na tensão do jogo. Para quem gosta de ficar imerso na ação, basta pular essas etapas. Afinal, não perdemos e nem ganhamos muita coisa com isso.
Vale a pena jogar Ghost of Yōtei?
Se você jogou ou não Ghost of Tsushima, isso não fará a menor diferença. Afinal, Ghost of Yōtei é outro jogo, com propostas diferentes do primeiro título. Ao mesmo tempo, ele mantém a estrutura de controle e batalha do título anterior, sendo uma espécie de aprimoramento necessário para se adequar ao estilo dos jogadores atuais. Em minha modesta opinião, Ghost of Yōtei é um jogo que entra na cabeça da gente, nos deixando curiosos para explorar toda a região de Ezo, além de querer também saber o que virá à seguir. Porém, há tanta coisa a ser feita, e muitas que surgem no nosso caminho, que acabamos sendo levados pela naturalidade das coisas, o que melhora demais o jogo.
O vento segue tendo seu efeito na jogabilidade, o Japão segue sendo maravilhosamente idealizado em gráficos lindos e cores vivas, mas não é apenas isso. Ghost of Yōtei é uma obra consolidada e independente de seu antecessor. É um pacote redondo que junta direção de arte inspirada, narrativa envolvente, sistemas robustos e uma confiança rara na inteligência do jogador, nos dando uma liberdade bem gostosa de curtir durante as horas de jogatina. É difícil apontar falhas que não sejam majoritariamente preferências pessoais. Porém, sigo incomodado com a questão dos NPCs genéricos, que parecem se repetir, desacreditando nas lembranças dos jogadores. Fora isso, o jogo acumula acertos que se somam e potencializam uns aos outros.
No fim, Ghost of Yōtei cumpre a promessa mais ambiciosa que um jogo pode fazer: entregar uma experiência que só existe plenamente quando você está, de fato, jogando, seja sentindo o peso da arma utilizada, lendo a postura do inimigo, seguindo os ventos pela região de Ezo, alternando presente e passado para dar novos sentidos a vida de Atsu. Todo duelo tem uma aura única, sobretudo contra os chefes, algo extremamente viciante. Portanto, o título da Sucker Punch, exclusivo para PlayStation 5, merece todo o respeito, trazendo para os jogadores mais de 60 horas de missões e tarefas variadas, sendo um título que vale a pena ser visitado e totalmente explorado.
*Review elaborada em um PlayStation 5, com código fornecido pela Sony.
Ghost of Yōtei
399,90Prós
- Totalmente localizado em português brasileiro
- Estrutura narrativa não linear que incentiva a exploração do mapa
- Jogabilidade aprimorada com novos estilos de luta e armas variadas
- Missões secundárias mais elaboradas e conectadas à narrativa principal
- Personagem principal complexa e humana, fugindo do arquétipo clássico do herói
Contras
- NPCs genéricos e repetitivos, quebrando parte da imersão


