The Lonesome Guild | Review
Falar sobre solidão é, de certa forma, falar sobre humanidade. Mesmo nos mundos mais fantásticos, é essa sensação de vazio e a busca por pertencimento que tornam as histórias mais tocantes. The Lonesome Guild, novo RPG de ação desenvolvido pela Tiny Bull Studios e publicado pela DON’T NOD, entende isso profundamente.
Ambientado em Etere, um reino sufocado por uma névoa que transforma a solidão em algo quase palpável, The Lonesome Guild convida o jogador a reconstruir laços e enfrentar monstros interiores com empatia, coragem e um toque de humor. Mas será que isso tudo funciona? É a resposta que eu trago para você agora, em mais uma análise antecipada do Pizza Fria!
Uma jornada sobre laços e lembranças
Em The Lonesome Guild, assumimos o papel de Ghost, um espírito solitário que desperta sem lembranças em um mundo tomado pela névoa da solidão. Incapaz de interagir fisicamente com o ambiente, Ghost encontra sentido ao se conectar (literalmente!) com os outros. O primeiro deles é Davinci, um coelho-inventor cheio de otimismo, que equilibra ataques mágicos e físicos com suporte de cura. Ao lado dele está Mr. Fox, uma raposa cínica marcada pela perda do filho, cuja mistura de ataques corpo a corpo e à distância o torna letal, mas frágil.
Com o tempo, a guilda cresce. Ran Tran Trum, um gigante de coração mole escondido sob uma armadura de bravura, atua como o protetor do grupo, atraindo inimigos e levantando escudos para os aliados. Mauhen, o mágico brincalhão, prefere manter distância, lançando feitiços e curando à medida que enfraquece a resistência dos inimigos. Já Chaska, uma guerreira destemida em busca de um novo lar, compensa sua dor passada com ataques diretos e uma fúria contagiante que concede roubo de vida à equipe. Por fim, há Sarangalyn, uma velha feiticeira que envenena inimigos e reduz o tempo de recarga das habilidades do grupo: uma presença firme, mas gentil, que dá à guilda o equilíbrio que lhe faltava.

Cada personagem que se junta à jornada representa um tipo diferente de solidão: o isolamento criativo, o afastamento por trauma, o medo de se conectar novamente. A história abraça esses temas com leveza e carinho, alternando momentos de introspecção com diálogos divertidos e cheios de personalidade. As conversas ao redor da fogueira, que ocorrem nos acampamentos, são um dos destaques da narrativa: nelas, Ghost pode se aproximar dos amigos, conhecer suas histórias e fortalecer vínculos. Esse sistema de relacionamentos não é apenas cosmético, já que ao aprofundar as amizades, novas habilidades são desbloqueadas, ampliando a sinergia em combate.
O tom da história é, acima de tudo, esperançoso. Mesmo tratando da solidão e do medo de estar só, The Lonesome Guild transmite a mensagem de que é na conexão com os outros que encontramos propósito.

Um gameplay guiado pela união
A narrativa de The Lonesome Guild é o seu ponto mais alto. Isso porque o jogo acaba derrapando em alguns pontos, e o primeiro deles é o seu sistema de combate. Em vez de controlar diretamente cada personagem, Ghost “possui” seus companheiros para lutar por meio deles. A qualquer momento, é possível alternar entre os membros do grupo, aproveitando as habilidades únicas de cada um. Davinci, por exemplo, usa um martelo para golpes pesados, enquanto Mr. Fox prefere ataques à distância com o arco. Essa mecânica dá ritmo e estratégia às batalhas, criando uma dança fluida entre ação e colaboração.
O mais interessante é que cada personagem responde de forma única a esse impulso: enquanto Davinci aproveita para fortalecer suas invenções, Mr. Fox ganha velocidade, Ran Tran Trum reforça a defesa do grupo e Chaska intensifica os ataques corpo a corpo. Essa variedade mantém as batalhas sempre dinâmicas, mesmo sem depender de um elenco extenso de habilidades.

Essa interação constante faz com que o jogador se sinta parte de uma equipe viva, em que cada um tem um papel essencial. Diferente de outros ARPGs em que escolhemos um personagem e ignoramos o resto, aqui o jogo recompensa quem alterna e domina todos os heróis. A curva de aprendizado é agradável.
Mas, como disse acima, há pequenos tropeços de ritmo. A aventura é, no geral, arrastada, com inimigos que demoram demais para cair, o que quebra o dinamismo. É o famoso esmaga botões, ou esponja de danos. Essa sensação até diminui um pouco conforme o grupo cresce e o sistema de progressão se abre mais. Ao subir de nível e aumentar os Relationship Points (RP), é possível desbloquear habilidades e sinergias que tornam as batalhas um pouco mais interessantes. Além disso, a entrada de batalhas não é dinâmica como um ARPG pede, já que os personagens sempre se “posicionam” antes de começar um novo duelo.

Entre os confrontos, The Lonesome Guild oferece momentos de exploração e resolução de puzzles. Etere é um mundo bonito, e traz alguns segredos escondidos, como flores que aumentam atributos, itens colecionáveis e memórias perdidas do próprio Ghost. Alguns quebra-cabeças pedem atenção a padrões ou pistas ambientais, e, apesar de simples, funcionam como respiros agradáveis entre uma luta e outra.
O único elemento que pode frustrar é a ausência de marcadores de objetivo. O jogo não indica com clareza para onde ir, nem permite abrir o mapa a qualquer momento, o que acaba gerando alguns momentos de desorientação, principalmente em ambientes onde assets se repetem com alguma frequência.

Um mundo feito à mão
Visualmente, The Lonesome Guild é um jogo bem bonito. O estilo artístico faz cada cenário parecer uma pintura viva. As cores vibrantes contrastam com a melancolia do tema, e o design dos personagens, animais antropomórficos cheios de charme, reforça o equilíbrio entre doçura e reflexão. A cada novo ambiente, há uma sensação genuína de descoberta: florestas etéreas, vilarejos acolhedores, templos envoltos em névoa… todos repletos de detalhes e pequenas histórias visuais.
A trilha sonora é um misto entre suavidade e heroísmo, acompanhando com sensibilidade as emoções da jornada. Há momentos em que a música se cala e apenas o som ambiente preenche o espaço, criando uma imersão que torna Etere quase palpável. A direção de arte e som caminham juntas para entregar uma experiência que é tanto visual quanto emocional.

Performance e estabilidade
Apesar de não ser verificado para o Steam Deck, passei todo o meu tempo de review jogando The Lonesome Guild nessa plataforma. Ele é jogável, pois apresenta algumas inconsistências na taxa de quadros, mesmo que o próprio SteamOS já o configure com algumas das melhores opções gráficas disponíveis no aparelho. As transições entre áreas são rápidas, e o carregamento é discreto o suficiente para não quebrar o ritmo.
Do nosso lado canarinho, fica uma lamentação: os brasileiros que não dominam nenhum dos seis idiomas disponíveis no jogo, não vão poder aproveitar 100% da boa história de The Lonesome Guild porque o game não veio localizado para o português do Brasil. Uma pena para nós, já que trata-se de um título que foi claramente feito com carinho, e trata de uma mensagem que poderia chegar em mais jogadores.
Vale a pena jogar The Lonesome Guild?
The Lonesome Guild deixa uma mensagem simples, mas poderosa: ninguém precisa enfrentar a solidão sozinho. É um RPG de ação que, em vez de buscar grandiosidade ou combates espetaculares, aposta na empatia e no vínculo entre personagens.
A narrativa é o ponto mais alto do game, e a direção de arte faz um excelente trabalho ao ajudar contar essa história. Há alguns tropeços em gameplay, como a ausência de um mapa ou um direcionamento mais claro de para onde ir, além dos inimigos terem muito HP. É indicado para quem busca algo mais leve, mas ainda significativo. No fim das contas, o conjunto se mantém coeso e envolvente, com uma identidade própria que o diferencia no cenário dos indies.
Não é um game sobre heróis imbatíveis, mas sobre pessoas (ou animais) imperfeitas que encontram força umas nas outras. E, de certa forma, jogar The Lonesome Guild é como sentar-se à beira da fogueira em uma noite na roça, com velhos amigos, compartilhando histórias e silêncios confortáveis.
The Lonesome Guild chega neste 23 de outubro de 2025 para PC, via Steam, Xbox Series X|S e PlayStation 5.
*Review elaborada em um Steam Deck, com código fornecido pela DON’T NOD.


