Deliver At All Costs | Review
Eu nunca havia pensado na ideia de criar a modalidade “jogo canalha”. Pois bem, cá estou dizendo isso. E Deliver At All Costs é um jogo nessa pegada. Mas calma lá… isso não é necessariamente algo ruim, acredite. Em meio a tantos jogos tensos, estressantes e competitivos, doses de canalhice e bom humor sempre caem bem. O jogo, distribuído pela Konami e criado pelo estúdio sueco Far Out Games para PlayStation 5, Xbox Series X|S, PC, via Steam, Epic Games Store e GOG.com, traz uma premissa bem incomum: um retrato satírico dos EUA pós-guerra. Até aí, nada de novo. Mas a jogabilidade muda tudo, misturando física caótica, com um humor nonsense e uma trama conspiratória que vai muito divertida.
Claro, nem tudo são rosas nessa aventura bem fora do padrão, e nesta análise, explicarei cada detalhe de como o jogo de estreia do Studio Far Out e as entregas insanas de Winston Green se saem. Confira!
Meio louco, meio no controle…
Naturalmente, logo ao começar a jogar Deliver At All Costs, acabei fazendo as clássicas comparações. Talvez uma mistura entre Crazy Taxi e Goat Simulator? Algo assim… mas com carros antigos pulando por rampas e destruindo tudo o que surge pela frente. Contudo, a ideia do jogo vai bem além, bastando algumas missões e rolês pela cidade para entender que há algo a mais escondido no meio dessa bagunça. Ou seja, mesmo sendo um “jogo canalha”, como mencionei no início, ele tem algumas camadas interessantes, como sua forma irônica de tratar os EUA pós-guerra. Mas vamos chegar nesse ponto com calma.
Deliver At All Costs tem uma história, sim. Mas o negócio que faz esse jogo ser diferente é a sua mecânica: nela, você pega uma carga e precisa levá-la até o destino. Contudo, esqueça a entrega de pacotes convencionais! Aqui, a ideia é carregar cada tranqueira, que deixaria qualquer candidato a vereador no interior impressionado (meu pai já carregou um leitão em um Chevette, acredite). Dessa forma, espere transportar peixes vivos gigantes, bombas prestes a explodir ou qualquer outra bizarrice que consiga ser carregada na caçamba da caminhonete de Winston, nosso protagonista bonitão – e bem desanimado com a vida.

Ainda sobre a questão da jogabilidade, o mundo de Deliver At All Costs é extremamente frágil, mas de uma forma que te faça ter aquele prazer em causar todo o caos pelo caminho. É um toque com o para-choque e lá se vai o pedaço de uma casa inteira! Mas é aí que está o charme: a destruição não só é permitida como é incentivada, sendo ela parte do tesão do jogo. Soma-se a isto a questão dos controles do jogo serem totalmente precisos, exigindo apenas que nós, jogadores, controlemos o carro e seus solavancos por toda a cidade, ao carregar cada tranqueira. Isso é bem simples, mas é divertido demais. Mas calma, há muito mais do que isso.
O jeitinho de viver estadunidense…
A ambientação de Deliver At All Costs é, em minha humilde opinião, um dos pontos altos. Com uma estética que lembra cartões-postais antigos, vestidos de bolinha e filmes do James Dean, o jogo constrói uma versão caricata e vibrante dos EUA dos anos 1950, com casinhas fofas e coloridas, carros com rabetas enormes e pessoas que reagem educadamente ao serem lançadas pelos ares. E, para melhorar a imersão nesse caos divertido, a trilha sonora é um espetáculo à parte, misturando surf rock e jingles retrô que contrastam deliciosamente com o caos na tela. É um comercial retrô de uma marca de refrigerantes famosa (você sabe qual), com o mundo caindo logo ao lado.
Porém, apesar da pegada cartunesca, onde os gráficos não são a grande estrela, há um cuidado impressionante com os detalhes: desde anúncios de rádio até os diálogos entre cada um dos personagens, tudo colabora para construir um mundo detalhado e cheio de estilo que, apesar de absurdo, tem personalidade de sobra e critica justamente quem mais se aproveitou do caos do longo século XX.

Deliver At All Costs é dividido em três atos, cada um ambientado em uma nova região com seus próprios desafios, personagens e pedaços do mistério que cerca Winston e a empresa para a qual ele trabalha. Com isso, a coisa vai tomando mais profundidade, nos prendendo em meio a uma trama engraçada, mas séria. É difícil explicar. Com uma pegada meio noir e teorias de conspiração envolvendo governos, empresas e experimentos secretos, vamos nos enfiando em um caminho sarcástico. E põe sarcasmo nisso. Por exemplo, quando vamos falar sobre valores familiares e, logo na sequência, atropelamos uma. Quer uma crítica melhor que essa?
Enfim, a narrativa nos mantém interessados, e isso é ótimo. Ou seja, posso dizer que a “canalhice” de Deliver At All Costs consegue ter profundidade, mesmo parecendo aos primeiros olhares se tratar de uma grande bagunça sem propósito algum. É como se aquele aluno tímido do meio da sala de aula, que ninguém sequer ouviu a voz, começasse a cantar como o Pavarotti. Particularmente, acho que jogos assim conseguem executar um papel duplo, mas para quem quiser: você pode rir, se divertir e bagunçar tudo, mas também pode analisar a profundidade crítica do que ele está se propondo (ou parece propor).

Nem tudo são flores, lembra?
Claro que nem tudo são flores em Deliver At All Costs. Algumas missões acabam se repetindo demais, o que eu já esperava que fosse ocorrer logo no início do jogo, ao ir entendendo a proposta. Ou seja, teremos alguns objetivos semelhantes e variações pouco criativas que preenchem o espaço da jogabilidade, ignorando um bocado da parte narrativa. Mas, como em todo jogo, isso não compromete radicalmente a experiência. É algo que acaba sendo necessário, para os jogadores ficarem com mais expectativa do que virá adiante.
O máximo que pode acontecer é uma leve saturação de ir pra lá e para cá fazendo as mesmas coisas, sobretudo após a terceira ou quarta corrida com o mesmo tipo de carga. Felizmente, Deliver At All Costs nos dá toda a liberdade para reinventar nossos próprios caminhos, experimentando rotas diferentes, tentando entregar nossas muambas sem destruir nada, algo extremamente difícil, ou simplesmente adotar um estilo de direção mais ousado, passando por prédios e vielas. A dica que dou é a seguinte: foque na história e só siga adiante, nem que seja pela casa de uma simpática senhorinha…

Outro ponto fraco dessa aventura são as cutscenes. Enquanto algumas usam imagens estáticas com dublagem, em um estilo que lembra HQs clássicas mais interativas, outras tentam ser mais cinematográficas, mas acabam esbarrando em animações com cara de PS2. É um detalhe menor, mas que tira um pouco do “tchan” da coisa. Fora isso, o jogo consegue se manter na estrada sem muitos problemas, não tendo apresentado bugs ou eventuais glitches, o que é excelente, nos livrando de mais estresse para além das entregas.
Vale a pena jogar Deliver At All Costs?
Deliver At All Costs traz uma proposta totalmente incomum e diferenciada. Geralmente isso causa medo na comunidade, que está acostumada a um padrão meio engessado, convenhamos. Porém, o título consegue trazer e ser tudo o que promete e muito mais. É cheio de personalidade, narrativa, carisma, sarcasmo e bagunça. É feito para quem gosta de dirigir sem regras, tal como em GTA, rir das inúmeras situações absurdas que surgem e, de quebra, gosta de se envolver na narrativa, que se apresenta repleta de reviravoltas.
Porém, vamos deixar clara uma coisa aqui: este título não tenta, de maneira alguma, ser o novo The Last of Us. Ainda bem! Ou seja, Deliver At All Costs não quer ser levado a sério demais, residindo aí justamente o seu charme canastrão. Ele sabe rir de si mesmo, e, melhor ainda, nos convida a fazer o mesmo enquanto atropelamos pedestres ao som de trilhas sonoras relaxantes dos anos 50. A jogabilidade funciona perfeitamente bem, a narrativa é profunda e mistura humor com questões relevantes sem forçar o intelecto de quem joga… é tudo redondinho. Os gráficos são agradáveis, a fluidez do jogo é tranquila, e a câmera isométrica traz memórias de uma franquia querida por muitos…
Enfim, se você está procurando um sandbox de ação despretensioso, divertido, estiloso e com um pé no nonsense, pode ir sem medo que toda a experiência vale a pena. Mas vá de maneira despretensiosa, assim como o próprio jogo se mostra ser. Ele não inventa a roda, mas consegue executar a função social de um game, que diverte e reflete, mesmo que de maneiras extremamente simples, mas nunca de forma simplória.
*Review elaborada em um PC equipado com uma GeForce RTX, com código fornecido pela Konami.