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Europa Universalis V | Review

A cutscene de entrada de Europa Universalis V é bem familiar a jogos desse estilo: um mapa colossal, cores e brasões em disputa, datas no canto da tela avançando devagar, uma trilha orquestral que soa como prólogo de uma grande epopeia. Em poucos cliques, você escolhe um povo, reino, horda, seja lá o que for, e assume não somente um governante, mas a alma de uma vindoura nação ao longo de centenas de anos de história. A pergunta que importa não é se você vai pintar o mapa inteiro com a sua cor, e sim como você fará suas leis, expandirá cultura, religião e comércio, agirá na diplomacia, se lutará guerras… e por aí vai.

O jogo da Paradox Interactive, que será lançado para PC via Steam, pisa em terreno conhecido para veteranos da franquia e, ao mesmo tempo, dá passos ousados em um ponto sensível: simular pessoas e lugares com mais granularidade do que a série jamais arriscou. É um novo fôlego para a franquia, ao mesmo tempo em que carrega aquele pacote de dilemas clássicos do estúdio: uma curva de aprendizado extremamente complexa e uma performance nem sempre estável.

Diante dessas questões iniciais, sei que vocês estão curiosos para saber o que podemos esperar de Europa Universalis V, ou se o jogo é um grande sucesso ou muda negativamente o histórico da franquia da Paradox. Essas e outras questões serão respondidas nesta review. Confira!

Cinco séculos de política, desbravamento e muita coisa para aprender

Se você vem do título anterior, a sensação inicial é paradoxal: tudo parece familiar e nada funciona exatamente igual. Europa Universalis V abandona parte das funções mais paradoxais, abraçando um estilo mais denso, que entrelaça populações, mercados dinâmicos, estamentos (nobreza, clero, burgueses, camponeses e variações locais), leis e instituições. O foco é menos no líder em si, e mais no país enquanto organismo, com sistemas que podem dar certo, errado ou até mesmo entrar em crises absurdas. Portanto, as escolhas são essenciais para prosperar.

Essa mudança já é sentida logo no começo, com o título jogando tudo nas suas mãos. O período medieval tardio, com feudalismo descentralizado e levantes regionais, pede outro tipo de decisão (a depender do território, claro, já que o mundo daquele período era bem diverso). Por exemplo, centralizar o controle custa capital político, mas viabiliza cobrança de impostos, execução de leis e um exército permanente décadas à frente. Demora? Nossa, é demorado demais e difícil ao extremo. Vale a pena? Depende sempre do líder que você quer ser. Aqui, temos que pensar a longo prazo. O imediatismo cobra caro.

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Olha a quantidade de informação deste mapa! (Imagem: Divulgação)

A população é o grande foco

O que percebi do último título para este, é que Europa Universalis V quer focar na camada populacional. Cada província abriga pessoas com diferentes culturas, religiões, classes e ocupações, e tudo o que o governo faz passa por elas, tal como na vida real. Abrir um arsenal em uma capital sem população suficiente não vai criar mosquetes do nada; é preciso formar trabalhadores, alimentar famílias, atrair migrantes, construir a cadeia de ferro/ferramentas/armas, garantindo que o mercado interno (ou externo) absorva o que sai das oficinas.

Produzir mais, por sua vez, altera preços, que afetam salários, que influenciam felicidade e migração. E, sim, quando a Peste Negra ou outras calamidades varrem o mapa no início da campanha, o impacto não é uma penalidade temporária: a mão de obra fica rara, o que nos obriga a reorganizar prioridades na reconstrução de seu povo. Porém, é bom lembrar que nem todos os povos sofreram com esse problema, tá? Então, esse é só um exemplo das escolhas que Europa Universalis V nos dá. E são muitas!

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Europa Universalis V coloca o povo no centro da ação. (Imagem: Divulgação)

Jogando com o xogunato japonês, por exemplo, não encarei problemas como a Peste Negra, mas tive que lidar com a dificuldade em unificar o território e seus diferentes líderes. No período inicial, o Japão é praticamente isolado do mundo. Por isso, pude investir bastante tempo em entender as dinâmicas necessárias para levar o xogunato adiante, esperando a aproximação dos povos externos. Mas a história nem sempre se repete como imaginamos…

Questões econômicas

Aqui é onde realmente observamos que não há nada de mão invisível na economia. O comércio de Europa Universalis V não é mais uma rede de nós rígidos com setas unidirecionais. Mercados regionais interagem pela oferta e demanda do que é produzido dentro e fora das suas fronteiras, e o papel do Estado vai mudando: podemos manipular tarifas, incentivar rotas, atrair mercadores, ou simplesmente fortalecer setores internos para suprir a população e o exército sem depender dos outros. Porém, tudo tem um custo. Se a população trabalhar demais, fica infeliz. Se não tiver nada, acontece o mesmo.

Essa interconexão é onde a simulação deste jogo brilha. Falta sal em um povo vizinho em guerra? Seu litoral com salinas eficientes pode enriquecer muito rapidamente, bastando negociar. No caso japonês, essa parte é um pouco mais difícil, sobretudo pela limitação do mapa inicial. Porém, após o passar de centenas de anos, tudo se transforma de uma maneira surreal: povos se unificam, mercados são transformados e muita coisa acontece. Aqui, mais vale inicialmente olhar para o próprio povo e ver suas necessidades do que ter gana de ser um grande negociador.

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Todas as rotas em Europa Universalis V levam a… algum lugar. Inclusive, Roma. (Imagem: Divulgação)

Beleza na guerra

A guerra em Europa Universalis V deixou de ser quase que uma partida de War. Agora, terreno, clima, linhas de suprimento e qualidade da tropa têm peso ampliado nos embates. Marchar por um desfiladeiro chuvoso agora não é só um negativo numérico: é praticamente clamar para ter baixas fora de batalha, perder organização do exército ou até mesmo ser esmagado numa emboscada. Exército permanente bem treinado supera levas de inimigos, mas acaba tendo um grande custo: soldos, munição, manutenção de fortes, infraestrutura de estradas e depósitos. E guerra longa vai secando o seu tesouro e o seu mercado doméstico. A paz é boa para o povo e lucrativa para os negócios. A guerra também…

Há automações, que facilitam muito o processo, mas comandar manualmente as campanhas produz uma sensação gostosa de comando. Não é apenas pilhagem e movimentação; agora, há muito mais em jogo, de forma a nos importarmos com cada agrupamento, cada tropa e os passos por elas dados.

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Tamborins, mosquetes e todo o caos da guerra. (Imagem: Divulgação)

Uma questão complicada (e colossal)

Sejamos francos. A Paradox sabe que criou um colosso de jogo, que precisaria de um grande manual para ser minimamente compreendido, ou horas e horas de treinamento pesado. Porém, para tentar facilitar (eu disse TENTAR), existem níveis graduais de automação para aquelas tarefas menores, como gestão de comércio, rotinas de construção, pequenas prioridades militares, dentre outras.

Esse sistema de automação é modular e totalmente mutável conforme nossos gostos e interesses; podemos ativar e desativar conforme a fase em que estamos. Além disso, os arcos de missão servem, ao mesmo tempo, como roteiro e um tutorial bem limitado, mas de propósito: em vez de mandar clicar ali ou aqui, ele nos força a ler cada um dos textos, a experimentar e a entender o motivo das coisas funcionarem daquele jeito. Ainda assim, Europa Universalis V é um jogo extremamente complexo, o que certamente afasta muitos jogadores.

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Em diversos momentos, Europa Universalis V pode nos confundir com tantas informações. (Imagem: Divulgação)

Com essa vastidão toda, fica difícil ensinar tudinho, eu sei. Mas até os mais inteirados na franquia acabam passando perrengue, em uma curva de aprendizado extremamente íngreme, em que somos bombardeados por uma infinidade de informações em menus que parecem mais a bolsa de valores japonesa. Os novatos vão ficar malucos se não tiverem paciência. Portanto, novatos, abracem os erros, salvem sempre o jogo antes de fazer alguma coisa brusca e torça para que 20 horas sejam suficientes para entender o mundo de Europa Universalis V.

Inteligência artificial meio que… perdida

O ponto fraco de Europa Universalis V está aqui, na inteligência artificial. Ora discreta, ora saliente, ela entende a engrenagem administrativa do jogo (obviamente), construindo, fazendo algumas alianças defensivas sensatas, sempre protegendo o que tem. Até conduzir invasões oportunas ela consegue, inclusive marítimas, aproveitando vacilos logísticos bem comuns a nós, meros humanos.

Por outro lado, falta a inteligência artificial aquela maldade estratégica digna das histórias da Grécia e de Roma, ou de Napoleão e Clausewitz. Elas não nos chutam no chão, embora tenham toda a força para isso, não formam coalizões bem feitas, ignoram todo o oportunismo puro e simples. Ou seja, mordem e assopram. Em mapas extensos, algumas formações territoriais bisonhas duraram muito tempo, sendo mal espaçadas, com províncias desconexas, mas que, por descuido do jogo, funcionavam muito bem, quando, na realidade, a geografia influencia muito.

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Um jogo extremamente vivo e… benevolente. Ou mais ou menos isso. (Imagem: Divulgação)

No geral, este talvez pode ser até um bom ponto para aprendermos. Vamos perder muitas guerras, sofrer reveses, encarar rebeliões populares extremamente complexas. Mas a sensação de força, poder e humilhação (se é que posso dizer isso), poderia ser mais frequente. Ajustes de agressividade, objetivos dinâmicos e ganância pós-guerra fariam bem para mudar os parâmetros do jogo, que já é cheio dos balangandãs.

Mapa, interface e outros aspectos mais técnicos

Visualmente, o mapa de Europa Universalis V é praticamente um grande personagem. Tropas miniaturizadas marcham, trens cruzam rotas, estradas ganham vida com o tráfego, portos respiram comércio. Isso fica ainda mais nítido com os modos de mapa, que são vários e muito úteis, focando em detalhes como população, mercados, alfabetização, cultura, religião, autoridade, controle, etc. Além disso, a UI adota um charme tátil: janelas que fecham como capa de livro, painéis que surgem com barulho de pergaminho. São muitas informações, mas passadas de uma forma “bonita”.

A trilha sonora é o padrão ouro da casa: orquestra cheia, temas que transitam entre momentos de pura calmaria ou extrema tensão. O design de som do campo de batalha, arrebentação de tambores, estalos de mosquetes, trovejar de canhões, comunica a nós, jogadores, risco e ritmo quase que de forma imediata. Se você gosta de jogar sentido o som do jogo, Europa Universalis V entrega bem.

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O mapa de Europa Universalis V é o grande protagonista: vivo, bonito e detalhado. (Imagem: Divulgação)

Porém, como em outros títulos da franquia, Europa Universalis V chega com alguns probleminhas técnicos: quedas pontuais de quadros em viradas de mês (quando muita coisa é atualizada), travadas curtas ao processar eventos globais e eventuais crashes após algumas horas de sessão. No meu caso, tive que mudar linhas de comando de inicialização do jogo para que ele funcionasse. No entanto, nada que quebre a imersão, mas o suficiente para lembrar que esse jogo seguirá sendo polido ao longo do tempo.

Vale a pena jogar Europa Universalis V?

Europa Universalis V não é apenas mais um jogo da franquia. Ele é um passo mais à frente na ambição da Paradox de simular a teia de relações que definem um povo ao longo de muitos séculos, considerando aspectos que vão do celeiro à corte, do cais ao altar, do gabinete à trincheira. Quando todas as engrenagens se alinham, a sensação é única: não estamos só colorindo um mapa, ou dominando territórios; estamos criando um novo mundo, ainda que virtual.

Ainda faltam polimentos e ajustes aqui e ali. A IA precisa saber ser cruel. Erros e travamentos devem ser consertados gradativamente. No entanto, uma coisa me preocupa: a curva de aprendizado, que é extremamente exigente. Por outro lado, compensando toda essa aula prática para se aprender a jogar Europa Universalis V, a qualidade da simulação, a coerência sistêmica e a capacidade de gerar narrativas fazem deste o maior jogo de estratégia hardcore dos últimos tempos.

Para quem ama o gênero, é uma aquisição quase que obrigatória. Para quem vem de fora, pode ser a porta de entrada. Porém, Europa Universalis V requer muita paciência, atenção às missões ativas e aprendizado para fazer as automações funcionarem bem, pelo menos no início. Em ambos os casos, é um jogo com uma longevidade e variedade de escolhas absurda. E, convenhamos, poucos títulos hoje conseguem prometer isso sem caírem em repetições ou exageros inúteis.

*Review elaborada em um PC equipado com uma GeForce RTX, com código fornecido pela Paradox.

Europa Universalis V

R$ 219,99+
8.9

Possibilidades narrativas

9.6/10

Jogabilidade

8.6/10

Gráficos e sons

8.6/10

Extras

8.6/10

Prós

  • Simulação profunda de população, economia e política
  • Legendas em português brasileiro
  • Automação modular e árvores de missão que ensinam propósito, não só cliques
  • Rejogabilidade altíssima; campanhas contam histórias diferentes
  • Mapa vivo, UI caprichada e trilha sonora incrível

Contras

  • IA tende à conservação, falta agressividade estratégica em certos cenários
  • Performance irregular em viradas de mês e eventos globais; crashes ocasionais
  • Curva de aprendizado extremamente íngreme; faltam tutoriais mais detalhados

Álvaro Saluan

Completamente apaixonado por videogames, escreve e pesquisa sobre o tema há uns bons anos. Vê os jogos para além do entretenimento, considerando todo o processo como uma grande e diversificada arte. Vai dos jogos de esporte aos RPGs tranquilamente, admirando cada experiência. Seu maior ídolo dos jogos é Hideo Kojima.