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Frostpunk e This War of Mine: os dilemas humanos entre o frio e o fogo

Desde o lançamento de This War of Mine em 2014 até a expansão contínua do universo de Frostpunk a 11 bit studios tem um princípio claro: jogos devem provocar diversas sensações. Não apenas desafiar reflexos ou estimular o raciocínio, mas afetar, seja de qual maneira for. Com essa premissa, o estúdio polonês tem se consolidado como uma referência mundial em narrativas com propósito.

Para Gabriela Siemienkowicz, Communication Lead da 11 bit, esse compromisso é o que une as obras mais impactantes do estúdio: “Não queremos que você se torne um jogador melhor. Queremos que você se torne uma pessoa melhor”. E com essa frase, começamos nossa entrevista sobre ambos os títulos, seus impactos e dilemas morais apresentados de maneira visceral aos jogadores.

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Imagem: Pizza Fria

This War of Mine e uma perspectiva incomum, mas real, da guerra

Lançado como um contraponto à glorificação da guerra presente em tantos títulos da indústria, This War of Mine inverteu a lógica: colocou o jogador na pele de civis anônimos, famintos e desesperados, tentando sobreviver em uma cidade sitiada. “Desde o começo, queríamos contar uma história sobre os invisíveis da guerra, aqueles que não têm armas, não têm poder, e mesmo assim sofrem todos os impactos”, afirma Gabriela.

A equipe da 11 bit realizou uma extensa pesquisa, mergulhando em relatos reais de sobreviventes de conflitos urbanos, especialmente do cerco de Sarajevo. “Também ouvimos histórias de pessoas próximas, de familiares que passaram por guerras. Isso deu ao jogo uma camada pessoal e profunda”, explica. O resultado foi um jogo cru e emocionalmente denso, onde cada escolha, como roubar comida, acolher um desconhecido ou sair à noite em busca de suprimentos, carrega consigo consequências éticas e psicológicas.

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Imagem: Divulgação

Segundo Gabriela, o impacto de This War of Mine foi tão forte que o jogo ultrapassou o universo dos gamers. Agora, ele passou a ser usado em escolas, projetos sociais e até como material oficial no currículo escolar polonês. “Foi algo que nos surpreendeu e nos emocionou. Ver nosso trabalho sendo usado para ensinar empatia e direitos humanos é a maior recompensa que poderíamos ter”.

Frostpunk: quando o frio congela a humanidade de cada um

Se This War of Mine é um retrato íntimo da guerra, Frostpunk é uma alegoria épica sobre o colapso social e climático. Ambientado em um mundo coberto por neve e desespero, o jogo coloca o jogador no papel de líder da última cidade da Terra. “Queríamos criar um jogo sobre sobrevivência coletiva, onde não fosse possível sair ileso. Onde cada decisão tivesse um custo, não só material, mas humano”, explica Gabriela.

Apesar do cenário pós-apocalíptico, o pano de fundo de Frostpunk é profundamente histórico. “Pesquisamos intensamente o século XIX, especialmente a Inglaterra vitoriana e a Revolução Industrial. Não queríamos um cenário genérico. Queríamos algo com peso, com textura, com raízes reais”, afirma. Para isso, o estúdio contou com apoio de historiadores e especialistas em urbanismo. “É por isso que o jogo soa verossímil, mesmo com suas premissas fictícias. Há verdade ali — e ela vem da história”. E quando ela diz isso, não mente. Realmente a ideia da franquia Frostpunk traz através de sua ficção, um quê de realidade, sobretudo se observarmos o jogo diante de um colapso climático cada vez mais iminente.

frostpunk entrevista
Imagem: Divulgação

Essa verdade se manifesta nas decisões morais do jogo: permitir o trabalho infantil? Controlar a fé da população? Executar os doentes para salvar recursos? “A Revolução Industrial trouxe progresso, mas também sofrimento. Frostpunk é sobre isso, sobre como o progresso cobra seu preço. E sobre quem paga por ele”.

Uma estética do desconforto

Tanto This War of Mine quanto Frostpunk compartilham uma estética sombria, desconfortável e poderosa. No caso de Frostpunk 2, Gabriela revela que a equipe se inspirou no pintor polonês Zdzisław Beksiński, conhecido por retratar mundos destruídos e figuras humanas distorcidas. “Queríamos que o visual traduzisse a dor da sobrevivência. Que o jogador não encontrasse beleza fácil, mas uma beleza dura, fria, que exigisse algo em troca”. E a arte também serve para isso; mais do que encher nossos olhos, ela também é uma excelente linguagem para causar incômodos.

Esse desconforto visual é uma extensão do que os jogos querem provocar: empatia, dilema, angústia. “Desde This War of Mine, entendemos que um jogo pode ser uma forma de arte. Uma arte que não adula o jogador, mas o desafia a pensar, e a sentir”. E isso não vem apenas de filmes, pinturas e outras manifestações artísticas. Aliás, se pensarmos um pouco, os jogos conseguem mesclar todos esses aspectos e ainda nos dar a sensação de controle da situação, diferentemente dos filmes, em que somos apenas espectadores. Nos videogames, tomamos a perspectiva proposta pelos desenvolvedores, seja ela qual for. E em ambos os títulos da 11 bit studios, elas são bem profundas.

this war of mine entrevista
Imagem: Divulgação

Um estúdio com missão

Assim, ambos os jogos marcaram não somente os jogadores, mas a própria identidade da 11 bit studios. Para Gabriela, eles são mais do que títulos de sucesso: são pilares de uma filosofia. “Nós não fazemos jogos por fazer. Cada título tem uma razão de existir. Queremos que os jogadores saiam das nossas experiências carregando algo consigo. Mesmo que seja só uma pergunta incômoda. Ou uma memória”.

Essa filosofia é a base dos projetos atuais do estúdio, como no próximo jogo da desenvolvedora, The Alters, e seguirá presente nos futuros. “Acreditamos que o jogo é um espelho. E se ele conseguir refletir o mundo de forma crítica, se conseguir mostrar algo que a pessoa talvez não queira ver, então já valeu a pena”.

Dilemas que atravessam a humanidade

Embora totalmente distintos em suas ambientações, mecânicas e escalas narrativas, This War of Mine e Frostpunk compartilham um mesmo núcleo: a exploração dos limites morais diante do colapso. O primeiro mergulha no cotidiano angustiante de civis em meio à guerra, onde a sobrevivência é íntima, silenciosa e solitária. Já o segundo escala esse drama para o coletivo, colocando o jogador como líder de uma sociedade inteira à beira da extinção, onde cada escolha pesa sobre muitos.

Em This War of Mine, o dilema é interno: quanto da minha humanidade estou disposto a perder para viver mais um dia? A dor é pessoal, visível no cansaço dos personagens, no peso das decisões que silenciam o jogador. Em Frostpunk, o dilema é estrutural: quantos devem ser sacrificados para que a cidade continue viva? Aqui, o sofrimento se distribui em números, leis, estatísticas, mas sua frieza não reduz o impacto ético.

“Em um, você é o sobrevivente. No outro, você é quem decide quem sobrevive”, resume Gabriela, sintetizando a complexidade dos dois títulos. Ambos confrontam o jogador com questões que normalmente ficam de fora dos jogos tradicionais: ética sob pressão, empatia em tempos extremos, e o que significa resistir ou ceder diante do caos.

Frostpunk 2
Imagem: Divulgação

Enquanto This War of Mine mostra o humano despido pela guerra, Frostpunk revela o que acontece quando o humano é obrigado a vestir a racionalidade absoluta para preservar o todo. Se em um você fecha os olhos ao roubar comida de um idoso, no outro você assina uma lei que obriga crianças a trabalhar em fábricas de carvão. Em ambos, não há respostas fáceis, só as consequências.

É por isso que, apesar das diferenças, os dois jogos se encontram em um mesmo ponto de ruptura: o momento em que o jogador percebe que está envolvido em algo mais profundo do que vencer um desafio. Está sendo provocado a pensar sobre si, sobre o mundo, e sobre o preço que se paga para continuar existindo.

No fim, o que a 11 bit studios oferece não apenas jogos. São verdadeiros espelhos da humanidade, às vezes embaçados, às vezes fragmentados, onde cada um de nós pode, se tiver coragem (e se quiser), enxergar o que carrega quando todas as estruturas desabam.

Sobre Frostpunk 2

No papel de um Administrador em Frostpunk 2, você supervisionará uma metrópole em constante crescimento e terá que ponderar cuidadosamente as necessidades e demandas da sua sociedade. Seus cidadãos estão preocupados com o destino de seus filhos e com os crimes nas ruas. Eles reclamam do insalubre resultado do crescimento industrial, mas necessitam de locais de trabalho. E se você não puder recompensar seu trabalho árduo com comida e abrigo ou cuidar da saúde deles? Não é possível agradar a todos, e quando facções radicais começam a surgir, apenas uma pequena faísca pode fazer a tensão latente explodir.

Trinta anos após a Grande Tempestade, a tirania terminou. Os delegados podem votar, com ou sem certas persuasões, para aprovar leis que cumpram a vontade do povo e direcionem a cidade para um de muitos futuros possíveis. Tudo isso sob um mantra ecoando na mente de todos: “A Cidade não pode cair.” Mas será você o responsável por persistir e testemunhar o triunfo dela?

O game está disponível para PC, via SteamGOG.com e Epic Games Store, e via PC Game Pass.

Sobre Frostpunk

Em Frostpunk, o jogador adentra um mundo totalmente congelado, em que as pessoas desenvolvem tecnologia a vapor para enfrentar o frio intenso. Assim, você tem a missão de construir a última cidade da Terra e assegurar os meios necessários para fazer sua comunidade sobreviver.

A otimização e o gerenciamento de recursos costumam se opor à empatia e às tomadas de decisões ponderadas. Embora o gerenciamento da cidade e da sociedade consuma a maior parte do tempo do líder, a exploração do mundo exterior também se mostrará necessária para compreender a história e o estado atual dele.

Frostpunk está disponível para PC, via Steam e Epic Games Store, PlayStation e Xbox.

Sobre This War of Mine

Em This War of Mine, você não joga como um soldado de elite, mas com um grupo de civis tentando sobreviver em uma cidade sitiada, enfrentando a falta de comida e de remédios e a ameaça constante de franco-atiradores e coletores hostis. O jogo concede uma experiência de guerra vista de um ângulo totalmente novo.

O ritmo de This War of Mine é dado pelo ciclo de dia e noite. Durante o dia, os franco-atiradores de fora impedem que você saia do seu refúgio, então é preciso focar na manutenção de seu esconderijo: criar, trocar e cuidar de seus sobreviventes. À noite, escolha um de seus civis para uma missão de coleta através de um conjunto de locais únicos cheios de itens que ajudarão na sobrevivência.

Tome decisões de vida ou morte de acordo com sua consciência. Tente proteger a todos em seu abrigo ou sacrifique alguns deles pensando no longo prazo. Durante uma guerra, não existe decisão boa ou ruim: apenas a sobrevivência. Quanto antes você aprender isso, melhor.

O game já está disponível no PC, dispositivos mobile, PlayStation e Xbox.

Álvaro Saluan

Historiador e cientista social de formação, é completamente apaixonado por videogames e escreve sobre o tema há uns bons anos. Vê os jogos para além do entretenimento, considerando todo o processo como uma grande e diversificada arte.