This War of Mine: legado moral e a guerra através de outra perspectiva
Lançado em 2014, This War of Mine foi uma ruptura no mundo dos jogos. Em uma indústria dominada por títulos de guerra focados apenas em ação, heróis armados e vitórias espetaculares, a 11 bit studios escolheu um caminho oposto e totalmente corajoso: colocou o jogador na pele de civis comuns, tentando sobreviver em uma cidade sitiada. A proposta era simples, mas devastadora. E a recepção não deixou dúvidas: estávamos diante de um novo paradigma. Durante a gamescom latam 2025, tivemos a oportunidade de entrevistar Gabriela Siemienkowicz, Communication Lead do estúdio polonês, que compartilhou suas visões sobre este grande clássico. Confira!

Um jogo nascido da inquietação
Ao ser lançado em 2014, This War of Mine não apenas surpreendeu o público e a crítica, ele transformou o modo como a guerra é retratada nos videogames. Em vez de metralhadoras, exércitos e glória, o jogo da 11 bit studios colocou o jogador no papel de civis indefesos, tentando sobreviver em uma cidade devastada pelo cerco e pela escassez.
Para Gabriela, o ponto de partida do projeto foi uma pergunta incômoda: por que todos os jogos de guerra focam no soldado e nunca na população civil? “A proposta de This War of Mine nasceu da vontade de olhar para o outro lado da guerra. Aqueles que não lutam, que não têm armas, que apenas tentam sobreviver ao caos”, explica. “Era uma escolha ética desde o começo. Nós não queríamos glorificar a guerra. Queríamos expor a sua crueldade”.
Realismo construído a partir da dor
Esse olhar sensível para os impactos da guerra exigiu um trabalho de pesquisa denso e cuidadoso. A equipe mergulhou em relatos reais de sobreviventes, especialmente os que viveram o cerco de Sarajevo, durante os conflitos nos Bálcãs. Histórias de medo, fome, dilemas morais extremos e perdas irreparáveis serviram como base para o enredo e as mecânicas do jogo.
“Alguns membros do estúdio tinham familiares que passaram por guerras. Outras histórias vieram de testemunhos que lemos ou ouvimos em entrevistas”, relembra Gabriela. “Isso criou uma responsabilidade enorme. A gente sabia que precisava tratar tudo com respeito. Sem sensacionalismo, sem explorar a dor, mas também sem suavizá-la”.
O resultado é um jogo que, mais do que simular, convida à empatia. Os personagens não são heróis. São pessoas comuns: professores, músicos, mecânicos. Gente que precisa escolher entre se arriscar por comida ou proteger um abrigo doente. Gente que se pergunta, todos os dias, até onde vale a pena seguir vivo.

Dilemas éticos como gameplay
Ao jogar This War of Mine, o desafio não é vencer. É não se perder. As mecânicas do jogo colocam o jogador diante de decisões morais desconcertantes: Você roubaria de idosos para alimentar uma criança? Negaria ajuda a vizinhos para proteger seu grupo? “Essas situações foram pensadas para provocar desconforto, e não para oferecer uma resposta certa”, explica Gabriela. “Na verdade, o jogo é sobre dilemas sem saída. Sobre como, em tempos de guerra, até boas pessoas são forçadas a fazer escolhas terríveis”.
Ela destaca que não há um sistema de “karma” ou punição explícita. A consequência é interna, emocional. “O jogo não diz se você está certo ou errado. Ele apenas mostra o que vem depois. O arrependimento. A perda. O silêncio”.
Da tela para o mundo: educação, terapia e direitos humanos
O impacto de This War of Mine ultrapassou as barreiras da indústria do entretenimento. O jogo passou a ser usado em escolas, universidades, projetos sociais e até forças armadas, como ferramenta educativa e de conscientização.
“Quando começamos a receber relatos de professores que usavam o jogo para ensinar sobre direitos humanos, ou de terapeutas que o utilizavam para tratar traumas, ficamos comovidos”, conta. Foi quando percebemos que havíamos criado algo maior do que um produto, tínhamos feito uma experiência que tocava as pessoas”, algo que certamente eleva o patamar dos jogos eletrônicos para além do quesito diversão.
Ela destaca que, em 2020, o governo polonês incluiu This War of Mine oficialmente no currículo escolar. Foi a primeira vez que um jogo digital se tornou material didático obrigatório no país. “Isso nos emocionou profundamente”, diz. “Mostra que os games têm poder social e cultural, sim”, algo muitas vezes ignorado pelo senso comum, que ainda vê erroneamente nos jogos uma maneira de fomentar a violência e outros comportamentos nocivos.

Uma virada na filosofia da 11 bit studios
O sucesso e o impacto ético de This War of Mine alteraram definitivamente a visão da 11 bit studios sobre o papel dos jogos. Segundo Gabriela, o estúdio passou a adotar uma filosofia centrada no propósito narrativo e humano, que influencia todos os projetos desenvolvidos desde então. “This War of Mine foi um divisor de águas. Depois dele, entendemos que nosso objetivo não era apenas entreter, mas transformar. Criar jogos que deixam algo no jogador depois que ele desliga a tela”.
Ela sintetiza esse pensamento em uma das frases mais marcantes da entrevista: “Nós não queremos que você termine o jogo sendo um jogador melhor. Queremos que você termine sendo uma pessoa melhor”. Essa premissa também pode ser percebida na franquia Frostpunk e em The Alters, o próximo título do estúdio. Para a 11 bit studios, o jogo é uma forma de arte, e como toda arte, deve provocar reflexão, emoção e, por que não, transformação.
O silêncio após a guerra
Ao final de uma campanha em This War of Mine, não há comemoração. Se houver sorte, algum personagem sobreviveu. Mas é raro escapar ileso. Os rostos ficam marcados, as vozes abafadas. E o jogador, do lado de fora da tela, carrega consigo um incômodo difícil de nomear. “Queríamos que o jogo ecoasse mesmo depois de terminado”, afirma.
“Que você carregasse aquelas histórias com você. Que pensasse nas guerras reais, nas pessoas reais, nas decisões que elas são obrigadas a tomar”. Desta forma, a mensagem passada por This War of Mine é potente, real e até mesmo contemporânea, demonstrando assim os impactos que um jogo e as decisões tomadas durante cada ação sejam refletidas, sentidas e causem impactos.

Mais do que um título focado em sobrevivência, This War of Mine é um retrato da fragilidade humana em tempos extremos. E sua maior vitória talvez seja justamente essa: lembrar que, na guerra, ninguém vence, mas todos perdem algo.
Sobre This War of Mine
Em This War of Mine, você não joga como um soldado de elite, mas com um grupo de civis tentando sobreviver em uma cidade sitiada, enfrentando a falta de comida e de remédios e a ameaça constante de franco-atiradores e coletores hostis. O jogo concede uma experiência de guerra vista de um ângulo totalmente novo.
O ritmo de This War of Mine é dado pelo ciclo de dia e noite. Durante o dia, os franco-atiradores de fora impedem que você saia do seu refúgio, então é preciso focar na manutenção de seu esconderijo: criar, trocar e cuidar de seus sobreviventes. À noite, escolha um de seus civis para uma missão de coleta através de um conjunto de locais únicos cheios de itens que ajudarão na sobrevivência.
Tome decisões de vida ou morte de acordo com sua consciência. Tente proteger a todos em seu abrigo ou sacrifique alguns deles pensando no longo prazo. Durante uma guerra, não existe decisão boa ou ruim: apenas a sobrevivência. Quanto antes você aprender isso, melhor.
O game já está disponível no PC, dispositivos mobile, PlayStation e Xbox.