A EA Sports nos fez de otários mais uma vez?
Foi no dia 20 de novembro, às vésperas da final da Copa Libertadores de 2019, que a EA Sports anunciou que a competição seria lançada em FIFA 20. Com a chegada da Libertadores, o game de futebol mais famoso do mundo receberia a maior competição Sul-americana através de uma DLC gratuita. O trailer de revelação trouxe esperança aos torcedores de diversos times brasileiros de voltarem a ver os suas equipes totalmente licenciadas no simulador. Isso porque, o trailer que trouxe a informação, mostrou imagens de diversos times que, até então, não faziam parte do jogo. Relembre abaixo.
Conforme demonstrado, houve uma grande atenção no vídeo para o Flamengo, mostrando em determinado momento, mesmo que rapidamente, até o artilheiro Gabriel Barbosa, aos 9s. Outros times, até então exclusivos do eFootball PES 2020, também apareceram no trailer, como o Palmeiras, River Plate e o Boca Juniors. O release de imprensa, inclusive, chamou atenção para eles em um trecho específico:
Viva a experiência de alguns dos melhores jogadores do mundo com camisas pesadas como as de River Plate, Boca Juniors, Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Vasco da Gama e Colo-Colo. Não perca toda a paixão e rivalidade da CONMEBOL Libertadores, CONMEBOL Sul-americana e CONMEBOL Recopa.
Ou seja: a EA Sports garantiu que nós, jogadores virtuais de FIFA 20, iríamos viver a experiência de alguns dos “melhores jogadores do mundo com camisas pesadas”, enfileirando uma sequência de times que fariam parte da atualização e que, até então, eram exclusivos da concorrente. A expectativa era grande!
O tempo passou, a atualização chegou…
Eis que março enfim chegou e, junto dele, o início da fase de grupos da Libertadores. A data foi a mesma escolhida pela EA Sports para disponibilizar a atualização, já disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC, via Origin. Mas, como todos os rumores apontaram, ela veio como um balde de água fria para quem tinha esperança de jogar a competição à vera.
Isso porque nenhuma das equipes brasileiras está com os jogadores licenciados. E isso inclui até mesmo o Flamengo, atual campeão. Nada, nem mesmo o Gabriel Barbosa, mostrado no trailer, está lá. Soma-se à lista de bizarrices a ausência do Corinthians, com a pífia justificativa de que o clube foi eliminado na fase preliminar – que também é Libertadores!
Mas por que os clubes brasileiros não estão com jogadores reais?
De acordo com a Folha de São Paulo, alguns clubes que tiveram seus direitos de imagem cedidos pela CONMEBOL com a EA Sports questionam essa decisão, em função da “exploração comercial de seus nomes, escudos, uniformes e imagens dos jogadores”.
Mas a entidade responsável pelo futebol sul-americano se defendeu, alegando que, desde 2018, os clubes que disputam os torneios organizados por ela concedem seus direitos de propriedades intelectual para uso em games, de acordo com o artigo 1.2.1 do Manual de Clubes da Libertadores 2020, disponível no site da CONMEBOL.
Especificamente, no que diz respeito aos Videogames, os Direitos licenciados pelos Clubes neste Manual incluem, mas não estão limitados, ao uso coletivo da imagem de jogadores e treinadores em grupo (segundo as dinâmicas técnicas e apresentações estéticas usuais nos videogames) e ao uso dos ativos de propriedade intelectual dos Clubes (incluindo, mas não limitado a suas marcas, escudos, uniformes, insígnias e mascotes) para uso irrestrito em videogames nos quais os Torneios serão apresentados. Esses videogames poderão ser comercializados pela CONMEBOL a terceiros, para sua exploração comercial, e os Clubes garantirão à CONMEBOL que tais direitos estão livres de encargos e limitações. Qualquer limitação para exploração irrestrita dos mencionados direitos deverá ser previamente informada à CONMEBOL, que não terá nenhuma responsabilidade perante os Clubes e terceiros (jogadores, treinadores etc.).
A empresa EA Sports detém os direitos de exploração de videogames, estando presente a CONMEBOL com seus clubes participantes na edição do FIFA 2020.
Segundo o trecho do documento acima, assinado por todos os clubes participantes da Libertadores, da Sul-americana e da Recopa, os jogadores brasileiros deveriam estar presentes. Mas aí entra o outro fator…
O fator Brasil
Como brasileiros e já acostumados com as dificuldades impostas pela nossa política, sabemos que tudo aqui é mais difícil do que em outros países. E nosso futebol não fica para trás, seguindo cheio de burocracias que dificultam muito qualquer negociação.
De acordo com o GloboEsporte.com, “o imbróglio se dá porque vigoram no Brasil as exigências da Lei Pelé, implicando que os direitos de imagem dos atletas devem ser negociados um a um”. Ou seja, segundo a legislação nacional, caso a EA Sports queira colocar os jogadores dos clubes brasileiros no FIFA 20, deveria ter negociado individualmente com cada um deles.
É bom ressaltar também que a negociação com a CONMEBOL não surgiu em novembro de 2019, embora os primeiros indícios dela tenham aparecido naquele mês. Ela já vem há algum tempo, e talvez até a inclusão do artigo 1.2.1 do Manual de Clubes desde 2018 indique que esse interesse existisse há mais tempo, mas só pode ser concretizado no ano passado.
O problema que nos impede de defender a EA é que ela não descobriu sobre a Lei Pelé ao fechar a negociação com a CONMEBOL. A empresa já enfrenta problemas em solo nacional há anos, tendo inclusive, perdido um processo em abril de 2019, superior a R$ 7 milhões, para jogadores de clubes mineiros por uso indevido de imagem. Por questão de registro, é bom ressaltar que os clubes brasileiros que possuem contrato com a empresa contam apenas com jogadores genéricos desde o FIFA 15.
Mas a KONAMI licencia os jogadores…
Há algum tempo a KONAMI, produtora do eFootball PES 2020, e principal concorrente da EA Sports, vem investindo na negociação para trazer jogadores licenciados aos seus jogos, e com as faces reais! Por que a EA Sports não faz o mesmo?
Bom, a resposta parece bem óbvia: não há interesse. E isso é refletido até mesmo na Seleção Brasileira, que conta apenas com Neymar como o único atleta licenciado. Por mais que existam divergências comerciais, as ausências de justificativas públicas da EA Sports pesam contra a empresa. Ao revelar oficialmente a data de lançamento da atualização, a produtora se limitou a dizer, em seu site oficial:
Após fazer o download da atualização, você poderá jogar com os uniformes e emblemas brasileiros totalmente autênticos no Modo Torneio da CONMEBOL Libertadores, Modo Carreira e Jogo Rápido do FIFA 20; porém, os nomes e a aparência continuarão genéricos. Jogadores de clubes brasileiros continuarão não sendo incluídos no FIFA 20 Ultimate Team.
Todos os times de outras nações da CONMEBOL terão nomes autênticos de time e jogador nos modos Jogo Rápido e Torneio da CONMEBOL no FIFA 20.
A resposta no FAQ em nada explica a ausência. E, para piorar, na pergunta seguinte, temos informações sobre Boca Juniors e River Plate, que também possuem contrato de exclusividade com a KONAMI.
O Boca Juniors e o River Plate serão times jogáveis com uniformes, emblemas e nomes de jogadores autênticos nos modos Jogo Rápido e Torneio da CONMEBOL Libertadores. No Modo Carreira, Partida Rápida e FUT, teremos jogadores autênticos desses times, mas nomes de time e emblemas genéricos.
Ou seja, ao mesmo tempo em que a EA descarta os jogadores dos times brasileiros, insere os dois principais argentinos, sem explicar suas razões.
FIFPro poderia intervir?
Quem está acostumado à jogar os games de futebol, certamente já viu a logo da FIFPro, sigla da Fédération internationale des Associations de footballeurs professionnels (em português Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol). Ela é uma organização que representa, à nível mundial, os jogadores profissionais de futebol.
Acontece que, no Brasil, a burocracia mais uma vez impede um órgão de atuar. A FIFPro é representada no país através da Fenapaf, sigla da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol. Mas, como já explicado acima, pela Lei Pelé, cada atleta deve negociar individualmente os valores para a sua inclusão em games. E, em 2017, tanto a KONAMI, quanto a EA Sports, foram processadas sob a alegação de que a FIFPro não tem gerência para atuar em solo nacional.
Um caso curioso em relação à FIFPro e o Brasil acontece na franquia Football Manager. O título deixou de ser vendido oficialmente no Brasil há alguns anos, justamente após os clubes nacionais protelarem seus direitos de imagem. No entanto, uma imensa base de dados de jogadores nacionais segue presente no game, mesmo com os clubes tendo, oficialmente, nomes abreviados e cores alternativas.
Feitos de otários?
Não é preciso ir longe para ver a indignação da comunidade nacional com a DLC da Libertadores. Aqui eu deixo algumas perguntas:
- Se a EA Sports tinha o acordo com a CONMEBOL que, segundo os documentos públicos, garantiam um pleno direito de exploração da imagem de clubes e jogadores participantes de suas competições, por que não foi feito com os clubes brasileiros?
- Qual a diferença para que os clubes brasileiros não tenham jogadores licenciados, enquanto os argentinos possuam, mesmo sem escudo e uniforme em outros modos de jogo?
- Por que não houve um esforço para licenciar, ao menos, os atletas dos clubes nacionais que disputam as competições CONMEBOL, sabendo dos problemas do Brasil?
- Quais os critérios que a EA Sports levou em consideração ao tomar tais decisões?
Enquanto isso, nos comentários das redes sociais, a revolta com a atitude tomada pela EA Sports é grande. Veja alguns:
Jogador genérico, uniforme desatualizado, q vergonha
— 🇧 🇪 🇦 🇱 (@Henrique_p_beal) March 3, 2020
tem o maracana no trailer e nem ta na bosta do jogo,parabens pela propaganda enganosa 👏👏
— RJRˢᶜᶜᵖ (@rjrsccp) March 3, 2020
sem jogadores br haha mt bom nota 0
— Chandler (@ftblchandler) March 3, 2020
Na boa? Eu teria vergonha de postar isso.
— Vinícius (@ViniciusdeSanti) March 3, 2020
Embora não possamos tirar nenhuma conclusão sem que a empresa se pronuncie de forma oficial, a impressão que fica é que a sua principal concorrente se esforça cada vez mais para fortalecer e atrair um público específico no mercado nacional, enquanto a EA se apoia em um contrato com a CONMEBOL para incluir os clubes brasileiros. Mas, talvez consciente dos problemas que poderia enfrentar, descarta incluir os atletas.
Há esperança de mudanças para o FIFA 21?
Certamente as competições CONMEBOL estarão presentes no próximo jogo da franquia. A dúvida paira, novamente, sobre os clubes brasileiros. Com a ação na justiça revelada pela Folha, a EA Sports deverá tomar uma nova decisão nos próximos meses: manter ou não os clubes exclusivos do concorrente. O mesmo deve acontecer com relação aos jogadores.
Com as facilidades dos games atuais, não dá para descartar a possibilidade de que, em uma atualização, os jogadores reais apareçam em seus clubes até mesmo no FIFA 20. Mas é pouco provável, visto o histórico da EA Sports. O que resta para a comunidade é continuar a cobrar, exigindo da empresa que se posicione diante da polêmica DLC. E, se possível for, corrija esse erro o mais rápido possível, trazendo os atletas reais para seus clubes. Os jogadores, que compraram a ideia da atualização, não merecem ser feitos de otários.