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Mullet MadJack: anime, ação e sátira no melhor jogo brasileiro do BIG Festival 2025

A Epopeia Games vive um momento especial. Com Mullet MadJack, o estúdio brasileiro não somente entregou um dos jogos mais vibrantes do ano como também levou para casa o prêmio de Jogo do Ano – Brasil no BIG Festival, realizado durante a gamescom latam 2025. A combinação de FPS retrô com estética de anime clássico, somada a uma gameplay insana de 10 segundos por vida, fez do título um verdadeiro marco na cena indie nacional.

Criado por Alessandro Martinello, da Hammer 95, e publicado pela Epopeia Games, o título conquistou o público com sua estética única, gameplay acelerado e uma narrativa carregada de humor ácido. Conversamos com Martinello e com Pedro Gabriel Rodrigues de Castro, COO da Epopeia, para entender melhor as influências, escolhas criativas e os bastidores do sucesso indie brasileiro. Confira abaixo!

mullet madjack entrevista
Imagem: Pizza Fria

Uma fusão de anime clássico e shooter old school

Alessandro Martinello, ou apenas Sandro para a comunidade, explica que o desejo de criar Mullet MadJack surgiu da vontade de unir duas paixões: FPS retrô e anime clássico. “Eu sempre quis fazer um jogo de tiro em primeira pessoa mais old school”, revela. Segundo ele, quando viu o sucesso de jogos como Doom 2016, Ion Fury e Dusk, percebeu que havia espaço para esse tipo de experiência: “Eu falei, agora é a hora de fazer o meu”.

A estética visual do jogo mergulha diretamente na era dourada dos animes japoneses: “Eu assisti tudo que existe de anime japonês de 1985 até o fim dos anos 90. Considero aquele estilo o auge da arte japonesa”. O resultado? Um visual que remete diretamente a obras como Megazone 23 e Urusei Yatsura, com personagens que parecem ter saído da programação da antiga Rede Manchete. A dublagem, inclusive, conta com vozes icônicas de animes como Cavaleiros do Zodíaco.

Aliás, esse é um dos grandes destaques de Mullet MadJack, tanto pelo fator nostálgico quanto pela qualidade técnica. Segundo Martinello, a escolha das vozes foi diretamente influenciada pelos animes exibidos na Rede Manchete. “A gente trabalhou a dublagem exatamente com as vozes do pessoal do Cavaleiros do Zodíaco, daqueles animes da Manchete”, contou. Essa decisão reforça o apelo visual e sonoro que remete aos anos 80 e 90, e ajuda a construir a identidade do jogo como uma grande homenagem à cultura pop dessa era.

Para o protagonista Jack, a escolha foi ainda mais simbólica: “Não tinha ninguém tão perfeito quanto a voz (e o estilo) do Stallone (Luiz Motta). Ele usa Mullet, ele é dos anos 90, então a gente foi reto nele”, explicou Martinello. A presença desses voice actors lendários não só ampliou o reconhecimento do jogo como também teve um impacto direto nas vendas no Brasil. Após o lançamento da dublagem em português, as vendas nacionais quadruplicaram. “Eu pude pagar a dublagem em português e dei esse presente aqui pro Brasil. E o Brasil retribuiu”, completou o desenvolvedor, evidenciando o poder afetivo da dublagem para o público local.

mullet madjack entrevista
Imagem: Pizza Fria

As inspirações por trás do protagonista

A criação do protagonista de Mullet MadJack, foi moldada a partir de uma combinação de referências da cultura pop dos anos 80 e 90, como filmes de ação e animes clássicos. De acordo com Martinello, o personagem é uma mistura de arquétipos que marcaram época: “Um personagem chave pro visual do Jack é o Riggs da série Máquina Mortífera, interpretado pelo Mel Gibson”. Outra grande inspiração veio de Policenauts, jogo criado por Hideo Kojima antes de Metal Gear Solid, de onde surgiu a ideia do corte de cabelo Mullet. Esse detalhe estético não foi escolhido por acaso: “O Mullet caiu perfeito pra ele porque representa exatamente essa era dos animes. Era o corte de cabelo prevalente durante essa era”.

Além da estética, o protagonista de Mullet MadJack carrega uma carga simbólica e satírica que dialoga com o enredo e a crítica social embutida no jogo. Jack é o herói de um mundo onde tudo gira em torno de likes, e ele literalmente mata tudo o que vem pela frente somente para ganhar um tênis como prêmio. Martinello resume a proposta com ironia: “No caso do Jack, ele faz toda essa matança pra ganhar um tênis. A vida dele depende de ganhar likes”. O personagem, com seu visual exagerado e motivações absurdas, simboliza tanto o exagero das narrativas dos anos 90 quanto as distorções contemporâneas da cultura digital.

Uma crítica divertida ao mundo digital e aos bilionários

Apesar do clima acelerado e das piadas visuais, Mullet MadJack não foge de uma crítica social, embora o jogo não se fixe diretamente neste detalhe. O jogo ironiza o culto aos likes, à inteligência artificial e ao mundo corporativo. “A gente fala muito sobre como a internet está estragando as nossas mentes, nossas relações”, afirma Martinello. No enredo, Jack luta para ganhar um tênis – um prêmio que simboliza o vazio da recompensa digital. “A vida dele depende de ganhar likes”, resume o criador.

E há também espaço para a sátira política: “A parte de não gostar de bilionário eu acho que é um ponto que une qualquer visão política. Os bilionários estão cada vez mais folgados, cometendo mais crimes, pagando menos impostos”. Resumindo, em Mullet MadJack, temos que matar os “robilionários” que surgem em nosso caminho. A crítica é sutil, não altera a diversão do jogo, mas é extremamente atual, como aponta Martinello.

Um verdadeiro sucesso

Martinello conta que o visual em estilo anime foi essencial para atrair atenção internacional: “A gente sempre trabalhou com uma estratégia sólida de fazer o jogo parecer um anime antigo”. Mas não foi só isso: o gameplay afiado e o ritmo frenético garantiram que Mullet MadJack ultrapassasse expectativas. “A gente esperava 500 reviews em um mês no Steam. A gente teve 500 reviews nas primeiras 24 horas. Pagamos o desenvolvimento nas primeiras 10 horas”.

Hoje, o jogo ultrapassa 6.500 reviews, meio milhão de wishlists e mais de 500 mil downloads via Game Pass. E mais: “Depois que colocamos a dublagem em português, as vendas no Brasil quadruplicaram”, comemora o desenvolvedor.

mullet madjack entrevista
Imagem: Pizza Fria

Sobrevivência e comunidade: o jogo fora das telas

Apesar do sucesso, o caminho da Epopeia Games foi (e é) cheio de obstáculos. A escolha por seguir como self-publisher exigiu bastante de toda a equipe. “A gente aprendeu na marra: rodadas de negócio, negociação com publishers, tudo isso enquanto fazia o jogo acontecer”, diz Pedro Gabriel. “Mas isso também nos deu autonomia. E hoje, com o Mullet, vemos que valeu a pena”.

Outro ponto essencial foi o apoio da comunidade do sul do Brasil. Através da ADJogosRS e outras parcerias, a Epopeia conseguiu apoio de universidades, editais e testes com jogadores reais. “Esse ecossistema fez muita diferença. A gente não teria chegado aqui sem essa rede. E agora queremos abrir espaço pra outras empresas também”, afirma Pedro, destacando o senso de cooperação entre os estúdios brasileiros. Além disso, Martinello comentou sobre as conversas com a equipe do estúdio polonês 11 bit studios, que foram essenciais para auxiliar na tomada de decisões do projeto.

Desafios e possibilidade no mercado de jogos brasileiros

Ao comentar sobre o desenvolvimento de Mullet MadJack e a evolução do estúdio, Pedro revela os desafios do cenário indie nacional: “Com certeza o lado técnico pesa, um pouco por orçamento, um pouco por amadurecimento. Mas o nosso mercado cresce muito rápido”. Ele também destaca o papel da associação ADJogosRS, no sul do Brasil, e de parcerias como a ABRAGAMES na formação de ecossistemas colaborativos: “O senso de comunidade ajuda muito. Um empurra o outro pra frente”.

Com a vitória de Mullet MadJack, o estúdio se prepara para novos voos, mas sem tirar os pés no chão. E sobre a possibilidade de vermos um game AAA brasileiro nos próximos anos, Pedro responde de maneira otimista: “O Brasil já tem talento. Falta alinhar com investimento e profissionalização do setor. Se isso acontecer, talvez em cinco anos a gente veja um AAA por aqui. Mas não tô prometendo nada”, brinca.

mullet madjack entrevista
Imagem: Pizza Fria

Enquanto isso, Mullet MadJack segue conquistando corações e reviews positivos, contando com a nota 88 no Metacritic. Aliás, confira a nossa análise aqui. No Steam, o game é avaliado com nota máxima pelos jogadores, um feito considerável para um jogo nacional. Por fim, Mullet MadJack é o tipo de jogo que faz barulho, diverte, grita nas cores, desafia os reflexos e ainda pode te deixar pensando nas mensagens subliminares deixadas em meio ao seu tom humorístico.

Sobre Mullet MadJack

Ambientado no ano de 2090, Mullet MadJack leva os jogadores a uma realidade distópica onde a adrenalina e a dopamina são os verdadeiros combustíveis dos justiceiros. A missão do protagonista é resgatar a influenciadora mais famosa do planeta, que foi sequestrada por uma poderosa organização criminosa composta por robôs bilionários. Para alcançar esse objetivo, será preciso invadir um arranha-céu e enfrentar inimigos mortais em cada andar—tudo sob o olhar atento de uma multidão faminta por ação que acompanha a jornada em transmissões de streaming.

  • Combate intenso e dinâmico: Cada andar do edifício traz novos desafios. A ação acontece em ritmo acelerado, e cada decisão pode ser a diferença entre a vitória e a derrota.
  • Modo Campanha: Enfrente ondas de robôs, limpe os andares do prédio e execute finalizações ultraviolentas para sobreviver.
  • Modo Sobrevivência: Teste suas habilidades contra amigos em um modo infinito, onde apenas os mais habilidosos se destacam.
  • Modo Boss Rush: Enfrente uma sequência de chefes desafiadores em uma corrida contra o tempo. Quanto mais rápido derrotá-los, melhor será sua posição no ranking global.
  • Estética nostálgica e cyberpunk: O jogo adota um visual que mistura cores neon vibrantes com tons escuros, evocando a estética dos animes adultos da era VHS.
  • Trilha sonora synthwave: A ambientação é reforçada por uma trilha sonora eletrônica inspirada no synthwave, trazendo uma atmosfera envolvente e acelerada para os confrontos.
  • Progressão rogue-lite: Aprimore o personagem com escolhas estratégicas, que impactam diretamente a forma como o jogo é jogado. Cada atualização pode facilitar ou dificultar o progresso até o último andar do arranha-céu.

Mullet MadJack já está disponível para Xbox e PC através do Game Pass e pode ser adquirido na Microsoft Store por R$ 59,95. Com sua proposta diferenciada, ação frenética e visual nostálgico, o jogo se destaca como uma das produções brasileiras mais inovadoras do ano.

Álvaro Saluan

Historiador e cientista social de formação, é completamente apaixonado por videogames e escreve sobre o tema há uns bons anos. Vê os jogos para além do entretenimento, considerando todo o processo como uma grande e diversificada arte.