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Luto | Review

Aprecio profundamente títulos de terror que se baseiam na tensão psicológica proporcionada pela sensação de confinamento em ambientes comuns. Tomemos como exemplo uma casa: geralmente associada a acolhimento e descanso, ela pode, nas mãos de desenvolvedores talentosos, transformar-se em um cenário de grande terror. Essa abordagem, que enfatiza corredores estreitos e um terror quase claustrofóbico, ganhou notoriedade após o lançamento de P.T. em 2014, a demo cancelada de Silent Hills idealizada por Hideo Kojima. Embora P.T. jamais tenha se tornado um jogo completo, sua proposta de loop em corredores e exploração de uma casa assombrada influenciou inúmeros títulos subsequentes.

Entre as tantas experiências que experimentei, apenas duas se destacam de forma especial: Visage e Madison. Em minha opinião, ambos souberam explorar com maestria o terror de estar preso em uma residência, equilibrando narrativas instigantes e sustos imprevisíveis. Por essa razão, fiquei empolgado ao saber que Luto, o novo projeto da Broken Bird Games anunciado em 2021, seguiria este mesmo estilo de terror.

Com o passar dos anos, cada trailer enigmático e novidade divulgados pela desenvolvedora reforçaram minha expectativa. Quando, em julho de 2024, finalmente foi lançada uma demo jogável, pude confirmar minhas impressões iniciais: a narrativa se mostrou envolvente, a atmosfera densa e a tensão, constante. Considero que essa prévia entregou com êxito o que prometia, deixando claro o potencial do título para surpreender e aterrorizar ao mesmo tempo. Entretando, será que a versão final entrega tudo que foi prometido? Confira agora em mais uma review do Pizza Fria!

Vivendo um dia de cada vez

Luto começa apresentando Samuel, o protagonista, em meio a uma rotina rígida e repetitiva: acordar, trabalhar e retornar para casa. O jogo utiliza um narrador — que funciona quase como uma extensão da mente de Samuel — para descrever o funcionamento mecânico de sua vida, ressaltando o quanto seus dias são marcados pela monotonia. Com o passar do tempo, pequenos elementos começam a destoar da normalidade: objetos mudam de lugar, o protagonista se perde em seus próprios pensamentos e sua percepção da realidade começa a se fragmentar. Guiado pela voz do narrador e por objetos espalhados pela casa, Samuel se vê diante de um dilema: reencontrar o caminho de volta à realidade ou mergulhar de vez na escuridão.

A narrativa de Luto é bem bagunçada. A história é construída por meio de documentos, pistas visuais e quebra-cabeças, o que inicialmente funciona bem, já que o mistério instiga o jogador. No entanto, com o avanço da trama, fica evidente que essa estrutura serve mais para mascarar a superficialidade com que o tema central — o luto — é abordado. Visualmente, o jogo acerta ao traduzir a deterioração emocional do protagonista: a casa torna-se cada vez mais decadente, os desenhos espalhados refletem inquietações mentais, e a paleta de cores esfria progressivamente, criando uma ambientação coerente com o estado psicológico de Samuel. Contudo, esses recursos visuais acabam substituindo uma verdadeira reflexão sobre o tema, o que empobrece a experiência narrativa.

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A narrativa de Luto é bagunçada e não explora de maneira satisfatória a sua temática. (Imagem: Divulgação)

Essa limitação narrativa torna-se ainda mais evidente quando consideramos a curta duração da campanha, que pode ser concluída em aproximadamente quatro horas. O tempo reduzido não é, por si só, um problema — mas aqui ele agrava a sensação de que há muitas ideias não plenamente desenvolvidas. Soma-se a isso o uso excessivo do narrador, que, embora interessante no início por funcionar como a voz interior do protagonista, acaba sendo uma presença constante demais, tirando a tensão de momentos que, visual e sonoramente, evocariam o medo de forma muito mais eficaz se houvesse silêncio ou ambiguidade.

Puzzles efetivos e criativos

Quanto à jogabilidade, Luto opta por uma estrutura simples: é possível andar, correr e interagir com objetos. Grande parte da experiência consiste em abrir portas e resolver puzzles, algo que, pessoalmente, me agradou bastante. Como alguém já familiarizado com jogos que seguem a estética e estrutura de P.T., eu esperava momentos de quebra de ritmo causados por puzzles excessivamente complexos ou que não façam sentido. Felizmente, Luto evita esse tropeço. Ainda que alguns desafios sejam simples demais, a maioria deles flui bem dentro da campanha, com soluções que se conectam organicamente à ambientação e fazem sentido dentro da estrutura da trama.

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Os puzzles apesar de serem simples, se conectam de maneiras inesperadas a narrativa. (Imagem: Divulgação)

Destaco, nesse aspecto, o uso do telefone como ferramenta narrativa: ao encontrar números espalhados pelos cômodos e ligá-los, ouvimos diálogos que ampliam a compreensão da rotina e da psique de Samuel. Muitos dos quebra-cabeças envolvem encontrar objetos específicos que remetem a estados emocionais ou memórias do protagonista — como desenhos, fotografias e filmes antigos. Esses elementos devem ser levados até certos quadros, como forma de “organizar” simbolicamente os fragmentos da mente de Samuel.

Acompanhado de fantasmas?

A principal temática abordada em Luto é a escuridão e o perigo que ela representa para Samuel. Com base nessa proposta, o jogo recorre a figuras fantasmagóricas que remetem ao arquétipo clássico dos fantasmas: entidades cobertas por lençóis brancos, vagando pelos cômodos da casa. Embora a escolha estética dialogue bem com a proposta minimalista e psicologicamente carregada do título, a execução acaba decepcionando.

Essas aparições contribuem, em certos momentos, para a construção de uma atmosfera tensa, especialmente quando surgem de forma inesperada, surpreendendo o jogador. No entanto, o uso excessivo desses espectros acaba esvaziando o seu impacto. Como se fossem vultos recorrentes inseridos apenas para preencher o espaço e provocar sustos fáceis, eles perdem força muito rapidamente. A falta de variação — tanto visual quanto mecânica — torna essas entidades previsíveis, transformando o que deveria ser um elemento de terror em um recurso cansativo.

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Os fantasmas são sub utilizados em Luto, se tornando repetitivos. (Imagem: Divulgação)

Além disso, Luto recorre a jumpscares ao longo de sua campanha. Contudo, infelizmente, a previsibilidade desses sustos e a repetição da mesma animação comprometem sua eficácia. O impacto inicial se perde já nas primeiras aparições, o que enfraquece o ritmo de tensão crescente que o jogo parece buscar.

A atmosfera é o ponto mais forte de Luto

Apesar dessas falhas, é inegável que o grande trunfo de Luto está em sua atmosfera. O jogo constrói com competência uma ambientação densa, opressora e visualmente intrigante. A casa em que se passa a maior parte da campanha é representada com riqueza de detalhes, com múltiplos cômodos, passagens e espaços que gradualmente vão se tornando labirínticos. Embora alguns trechos, sobretudo na reta final, se revelem excessivamente lineares — o que, para mim, compromete um pouco o senso de exploração —, certos puzzles baseados em idas e vindas entre cômodos ajudam a manter o ritmo e evitam que o jogador perca completamente o engajamento.

O aspecto mais bem executado da ambientação, no entanto, é a forma como ela traduz visualmente a deterioração da mente de Samuel. Com o avanço da história, testemunhamos mudanças cada vez mais surrealistas na arquitetura da casa: portas que antes estavam trancadas aparecem misteriosamente abertas; cômodos inteiros surgem onde não deveriam existir; escadas descem para cavernas inusitadas, completamente incoerentes com a estrutura original do local. Esse design onírico e desconcertante traduz com muito mais eficácia a confusão mental do protagonista do que a própria narrativa escrita, que, como mencionei anteriormente, peca pela superficialidade.

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A atmosfera é o ponto mais forte de Luto, tornando a experiência intrigante, mesmo em trechos que todo o resto tropeça. (Imagem: Divulgação)

Por fim, embora eu pessoalmente não seja entusiasta da presença de perseguidores em jogos desse estilo — nos quais a ambientação e o silêncio muitas vezes são mais eficazes do que ameaças constantes —, senti falta de uma ameaça mais marcante em Luto. Os fantasmas, além de visualmente genéricos, não estabelecem uma conexão concreta com o enredo. Caso tivessem sido desenvolvidos com maior profundidade, talvez representando fragmentos do passado de Samuel ou simbolizando aspectos do seu luto, poderiam ter contribuído de forma significativa para a experiência narrativa. Infelizmente, foram apenas um recurso subutilizado, em um jogo que, embora atmosférico e promissor, carece de mais ousadia e profundidade para alcançar algo verdadeiramente memorável.

Gráficos e Som

No que diz respeito ao aspecto visual, Luto se destaca positivamente. Os gráficos são expressivos e bem elaborados, cumprindo com competência a função de representar o estado emocional do protagonista por meio do cenário. A casa onde Samuel reside é retratada com uma estética que transmite desalento, desorganização e uma sensação de estagnação emocional — reflexo direto do luto que o personagem enfrenta. É um espaço fechado, sem janelas para o mundo exterior, que reforça a ideia de que Samuel está enclausurado não apenas fisicamente, mas também mental e emocionalmente. Trata-se de um local que existe apenas para ser habitado de forma automática, sem afeto ou reflexão, até que as manifestações sobrenaturais começam a romper essa rotina.

Fiquei particularmente surpreso com a variedade de ambientes que o jogo apresenta ao longo da campanha. Ainda que a maior parte da experiência ocorra dentro da casa, o título consegue introduzir variações surrealistas que quebram a monotonia. A atenção aos detalhes é notável: documentos, desenhos, objetos do cotidiano — todos esses elementos contribuem para a construção de um cenário crível e visualmente rico. Há um claro cuidado da equipe artística em oferecer uma ambientação que, mesmo restrita, seja constantemente interessante aos olhos do jogador.

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A direção de arte é um grande destaque em Luto, principalmente nos trechos mais surrealistas da campanha. (Imagem: Divulgação)

Outro ponto de destaque é o uso da paleta de cores. Luto emprega variações cromáticas para marcar a progressão emocional e narrativa da jornada. Na reta final da campanha, quando os acontecimentos adquirem um tom mais surrealista, as cores tornam-se mais frias e opressoras, intensificando o desconforto e a sensação de deslocamento. Essa escolha estética dialoga bem com a proposta do jogo de representar simbolicamente a desintegração da mente do protagonista.

Contudo, se visualmente o jogo apresenta um trabalho refinado, no quesito sonoro Luto acaba decepcionando. O design de som se limita ao essencial: passos, ruídos ambientes discretos e uma trilha sonora pontual. Embora compreenda a intenção de preservar o silêncio como parte da construção da tensão — um recurso comum em jogos de terror psicológico —, senti a ausência de elementos sonoros que poderiam ter enriquecido significativamente a imersão.

A presença de sons sutis, como passos distantes em outros cômodos, pingos de torneiras, rangidos aleatórios ou sussurros indecifráveis, por exemplo, poderia ter ampliado o sentimento de inquietação e fortalecido a atmosfera já bem construída visualmente. Além disso, o feedback sonoro ao interagir com certos objetos é pouco marcante, o que reduz o impacto de ações que, narrativamente, poderiam ter maior peso.

Por fim, destaco que minha experiência foi no PlayStation 5. Não tive problemas com travamentos e nem bugs, tendo uma experiência fluida do começa ao fim.

Vale a pena comprar Luto?

Luto é, em essência, uma experiência que me deixou decepcionado. Embora apresente méritos pontuais — como uma ambientação sólida e puzzles com ritmo bem dosado —, o jogo falha em transformar essas qualidades em algo verdadeiramente marcante ou assustador. Sua maior fragilidade reside no desequilíbrio entre intenção e execução: há boas ideias espalhadas ao longo da campanha, mas nenhuma delas é devidamente explorada ou desenvolvida com profundidade.

A narrativa, que deveria ser o eixo emocional da obra, se mostra rasa e sem direção clara, apoiando-se excessivamente na figura do narrador, cuja presença constante compromete a imersão ao invés de enriquecê-la. Os fantasmas, supostamente responsáveis por gerar tensão, carecem de impacto e tornam-se rapidamente previsíveis, repetitivos e esteticamente genéricos.

É inegável, no entanto, que a ambientação é o grande acerto da obra. A forma como o jogo representa visualmente a confusão mental do protagonista é, em muitos momentos, mais eficaz do que o próprio roteiro. Mudanças no cenário, distorções espaciais e variações cromáticas transmitem com eficiência o desequilíbrio emocional de Samuel, ainda que sem o suporte de uma narrativa que consiga dar peso emocional a esses elementos.

No fim das contas, Luto é um título que entrega uma experiência que falha em atingir seu potencial. As boas ideias estão lá, mas dispersas, mal conectadas e subutilizadas em uma campanha curta, que termina sem deixar uma impressão duradoura.

Luto foi desenvolvido pela Broken Bird Games e lançado no dia 22 de julho para PlayStation 5Xbox Series X|S e PC, via Steam e Epic Games Store.

*Review elaborada na versão de Playstation 5, com código fornecido pela SelectaPlay.

Luto

BRL 114,90
6

História

6.0/10

Gameplay

6.0/10

Gráficos e Sons

7.0/10

Inovação

5.0/10

Prós

  • A atmosfera consegue transmitir tensão
  • Puzzles que se conectam com a narrativa
  • Legendas em PT-BR

Contras

  • A narrativa não explora de forma satisfatória a premissa
  • Uso do narrador que não se conecta bem com a narrativa
  • Fantasmas sub aproveitados
  • Linearidade excessiva na reta final
  • Design sonoro pouco impactante

Leandro Paiva

Um estudante de jornalismo e o primeiro estagiário do site. Degustador nato de coxinha e pizza fria com ketchup. Amante de RPG, principalmente aqueles em que é possível pescar em vez de fazer a missão principal. Piadista em tempo integral e um grande degustador de café. Defensor de Birds of Prey e da DC em geral nas horas vagas.