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Frostpunk: uma distopia cada vez mais real diante de nossos olhos

Na superfície, a franquia Frostpunk pode parecer apenas mais um city builder ambientado em um mundo pós-apocalíptico. Mas à medida que o jogador avança e se vê forçado a tomar decisões morais cada vez mais cruéis para garantir a sobrevivência da última cidade da Terra, outra camada potente começa a emergir, uma camada que não vem da ficção científica, mas da história da humanidade. Mais especificamente, do século XIX, a era da Revolução Industrial e do advento do vapor como força motriz para o processo implacável da industrialização global.

Desta forma, com o anúncio recente de Frostpunk 1886 para 2027, durante a gamescom latam 2025, tivemos a oportunidade de bater um papo com Gabriela Siemienkowicz, Communication Lead da 11 bit studios, explicou de maneira mais aprofundada as ideias da franquia Frostpunk e toda a sua profundidade.

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Imagem: Pizza Fria

Uma ficção baseada na história da humanidade

Ao ser questionada sobre a ambientação da franquia Frostpunk, Gabriela explica que, por trás do cenário congelado e das tecnologias adaptadas à era do gelo fictícia, existe um compromisso real com a verossimilhança histórica. Segundo ela, a equipe levou muito a sério a ambientação, mesmo sabendo que o universo do jogo parte de uma realidade alternativa. A Inglaterra vitoriana, os efeitos sociais da Revolução Industrial e as duras condições de trabalho da época serviram de ponto de partida para construir uma narrativa distópica com raízes profundas na história humana.

Esse cuidado com o embasamento histórico envolveu não somente a equipe interna, mas também especialistas externos. Historiadores e urbanistas foram consultados para garantir que a lógica das cidades, a arquitetura, os conflitos sociais e até as leis do jogo fizessem sentido dentro daquele contexto. “Não dá para improvisar quando se trata de um período tão específico, com suas tensões tecnológicas e humanas”, reforça Gabriela. O resultado é um mundo que, embora tomado por neve e desespero, soa estranhamente real, quase como um espelho gélido de nosso passado.

Dilemas éticos e morais trazem uma profundidade única ao jogo

Essa sensação de realismo se estende também à filosofia do jogo. Frostpunk não mede esforços para confrontar o jogador com dilemas que beiram o intolerável: permitir o trabalho infantil? Reprimir a fé das pessoas? Escolher quem vive e quem morre? Essas escolhas não são mecânicas arbitrárias, mas uma reconstrução dos dilemas éticos enfrentados no século XIX, quando a lógica produtivista esmagava frequentemente os direitos individuais em nome do progresso, algo visto até os dias atuais.

Para Gabriela, essa tensão entre eficiência e moralidade é o coração do jogo, e é também onde ele mais se conecta com a história. A Revolução Industrial, afinal, foi um tempo de avanço e inovação, mas também de miséria, desigualdade e violência institucionalizada. Frostpunk recupera esse espírito contraditório e o amplia até o extremo, obrigando o jogador a carregar o peso das decisões que toma. “O progresso tem um preço”, ela diz. “E Frostpunk faz questão de lembrar disso”.

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Imagem: Divulgação

Direção de arte e impactos das escolhas visuais

A direção de arte do jogo também reforça essa atmosfera de dor, resistência e colapso. Em Frostpunk 2, por exemplo, a equipe buscou inspiração na obra de Zdzisław Beksiński, pintor polonês conhecido por criar paisagens oníricas e aterradoras de mundos destruídos. Suas figuras humanas deformadas e ambientes de silêncio absoluto ajudaram a construir o tom visual do jogo: não há heroísmo limpo ou glória em Frostpunk. Existe apenas luta, frio e sobrevivência.

A escolha por essa estética sombria e melancólica está longe de ser decorativa. Assim como nas decisões morais, ela visa incomodar, provocar, deixar cicatrizes. Gabriela afirma que há beleza na resistência, mas é uma beleza crua, desconcertante, que não oferece conforto. Nesse sentido, Frostpunk é uma experiência estética tanto quanto ética: o desconforto visual se alinha ao desconforto narrativo para criar uma obra que não desaparece da mente do jogador após o desligar do console.

Franquia Frostpunk é uma verdadeira alegoria ao passado, mas também uma crítica ao presente

Mais do que um jogo sobre catástrofes climáticas, um assunto sempre em pauta no mundo contemporâneo, a franquia Frostpunk é uma alegoria histórica que revisita o passado industrial da humanidade para falar sobre escolhas, sacrifício coletivo e os limites da ética sob pressão. Ao fundir pesquisa histórica com ficção especulativa, a 11 bit studios conseguiu criar um dos universos mais densos e significativos dos jogos contemporâneos. Além disso, consegue reafirmar o alerta científico da devastação que poderá ser causada pelas crises climáticas, alimentadas pelo individualismo de grandes empresários e nações.

E nesse mundo onde cada grau a menos pode significar a morte de centenas, talvez o que mais congele o jogador não seja a neve, mas a pergunta que fica depois de cada decisão tomada: quantos foram sacrificados para que a cidade sobrevivesse? Ao que tudo indica, nos próximos anos começaremos a pensar mais sobre o assunto, mas fora dos videogames.

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Imagem: Pizza Fria

Sobre Frostpunk 2

No papel de um Administrador em Frostpunk 2, você supervisionará uma metrópole em constante crescimento e terá que ponderar cuidadosamente as necessidades e demandas da sua sociedade. Seus cidadãos estão preocupados com o destino de seus filhos e com os crimes nas ruas. Eles reclamam do insalubre resultado do crescimento industrial, mas necessitam de locais de trabalho. E se você não puder recompensar seu trabalho árduo com comida e abrigo ou cuidar da saúde deles? Não é possível agradar a todos, e quando facções radicais começam a surgir, apenas uma pequena faísca pode fazer a tensão latente explodir.

Trinta anos após a Grande Tempestade, a tirania terminou. Os delegados podem votar, com ou sem certas persuasões, para aprovar leis que cumpram a vontade do povo e direcionem a cidade para um de muitos futuros possíveis. Tudo isso sob um mantra ecoando na mente de todos: “A Cidade não pode cair.” Mas será você o responsável por persistir e testemunhar o triunfo dela?

O game está disponível para PC, via SteamGOG.com e Epic Games Store, e via PC Game Pass.

Sobre Frostpunk

Em Frostpunk, o jogador adentra um mundo totalmente congelado, em que as pessoas desenvolvem tecnologia a vapor para enfrentar o frio intenso. Assim, você tem a missão de construir a última cidade da Terra e assegurar os meios necessários para fazer sua comunidade sobreviver.

A otimização e o gerenciamento de recursos costumam se opor à empatia e às tomadas de decisões ponderadas. Embora o gerenciamento da cidade e da sociedade consuma a maior parte do tempo do líder, a exploração do mundo exterior também se mostrará necessária para compreender a história e o estado atual dele.

Frostpunk está disponível para PC, via Steam e Epic Games Store, PlayStation e Xbox.

Álvaro Saluan

Historiador e cientista social de formação, é completamente apaixonado por videogames e escreve sobre o tema há uns bons anos. Vê os jogos para além do entretenimento, considerando todo o processo como uma grande e diversificada arte.